Resenha| Estrelas além do tempo: novas utopias pra nós!



por Anne Quiangala


As imagens relacionadas ao contexto histórico dos Estados Unidos segregacionista costumam ser tão uniformes que não oferecem lacunas para perguntarmos sobre o que mais poderia ter acontecido na vida de pessoas negras. Perguntarmos sobre agência, afetos e tudo o mais que constitui subjetividade, apesar de soar irrelevante frente à violência institucional, epistemológica e física, é um importante exercício afrofuturista de reconstrução do passado. É a partir desta consciência que Estrelas Além do Tempo oferece uma narrativa baseada em fatos reais, recriando o imaginário sobre o passado e, assim, intervindo no futuro.

Durante a década de 1960, os Estados Unidos eram uma nação técnica e economicamente desenvolvida a ponto de disputar a corrida espacial, entretanto, no âmbito social a população negra era privada de cidadania e exposta a toda sorte de injustiças. Essa imagem, assim como de incontáveis filmes sobre escravidão, é vívida porque tem sido construída como imagem única da experiência negra através de interpretações brancas que prometem historicizar, mas apenas nos expõem a imagens dolorosas, frustrantes e uniformes. 

Em direção oposta, em Estrelas Além do Tempo, três cientistas negras Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) buscavam consolidar suas carreiras dentro da NASA, um ambiente tão racista quanto sexista. Acompanhamos a trajetória de cada uma, em especial de Katherine, que é transferida para um departamento liderado por Al Harrison (Kevin Costner), que tem um pupilo, Paul Stafford (Jim Parsons), que tenta sabotar o crescimento dela. 

O longa, que foi indicado a três Oscars, incluindo o de Melhor Filme, apresenta uma narrativa convencional em que a jornada das três heroínas enfrenta o atraso de anos de má representação negra feminina, bem como questiona a “excepcionalidade” que costuma ser parte do esquema de construção da figura do cientista “gênio”.



“ESTAMOS VIVENDO O IMPOSSÍVEL”


Se toda narrativa sobre negritude nos anos 1960 nos carrega para imagens de terror racial pura e simplesmente, a existência de mulheres negras que calculavam é um ponto fora da curva impensável. E exatamente por ser impensável que apresenta as lacunas do sistema: carreira científica é pra quem? Qual a aparência de um cientista? Como aparentam “as grandes mentes científicas do país”? 


As três amigas, Katherine, Mary e Dorothy, progredindo juntas também evidenciam o quanto é importante ter suporte, afeto e vidas completas com pessoas queridas, com as quais podem compartilhar agruras e vitórias. Cientistas fazem ciência, mas isso não é tudo sobre o sujeito como o estereótipo tende a reiterar. É por esse motivo que as passagens em que elas vão à igreja, brincam com as filhas e têm conflitos com o marido são tão necessárias; elas inflam as personagens de humanidade, explicam a fonte da resiliência e dão um ar objetivo à trajetória. Não é a objetividade convencional, que reside na representação do Harrison, um indivíduo que só pensa em trabalho, progresso e esquece todos os “detalhes” da vida, porque outras pessoas oferecem esse suporte de forma invisibilizada. Assim, o filme evidencia o quanto diferente localização social demanda diferente forma de ser pioneira e define os objetivos do fazer científico.

A mãe de Katherine cuidando de suas netas enquanto a filha trabalha em tempo integral, por exemplo, evidencia que cuidar de crianças deve ser algo mais coletivo do que costumamos ver representado; e isso é só um detalhe de como uma sociedade racista e sexista tem lugares predeterminados que preexistem, e, desta forma, criam obstáculos específicos. Se Harrison está todo o tempo na Nasa, na hipótese de ter filhos, não existe a responsabilidade de atuação na esfera doméstica porque ele chefia a busca por supremacia nacional. Apesar desse desequilíbrio no poder, o personagem de Harrison é elementar para que façamos uma discussão sobre o racismo ser um problema ético, não moral. Ou seja, apenas por meio de ações efetivas que caminharemos para uma sociedade antirracista (e não apenas quebrando uma placa que ele PODE quebrar, mas sendo sujeito, pensando na questão, estudando e ouvindo).

É por meio da dialética da profunda dedicação e das oportunidades, que o filme transforma uma narrativa emocionante sobre desenvolvimento da carreira, na quebra da História única (sobre a Corrida Espacial) e do mito da Meritocracia (excepcionalidade e genialidade das protagonistas). E as frases icônicas, como o questionamento de Mary “Quando nos aproximamos, eles mudam a linha de chegada de lugar” dão um tom bastante épico à jornada dessas heroínas reais.


DO PASSADO PARA ALÉM DO TEMPO: CONSTRUINDO NOVAS UTOPIAS


Ao nos apresentar uma história potente, realista e alegre, Estrelas Além do Tempo, rompe um imaginário uniforme sobre mulheres negras cientistas. O filme nos restitui o passado, inflando as personagens de subjetividade, afeto, vulnerabilidade, genialidade e pioneirismo, tudo ao mesmo tempo, e dando o impulso necessário para que possamos construir coletivamente novas utopias. Se uma desbrava o impossível, as três cientistas em questão consolidam perfeitamente o que Vaughan expressou: qualquer avanço serve a todas nós”! E não porque a representação resolve tudo, mas porque se ver e imaginar é o primeiro passo para a construção de novos futuros.



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