Por onde começar a ler Riri Williams aqui no Brasil?


Por Anne Caroline Quiangala

Confesso que nunca fui muito simpática ao Tony Stark e, até mesmo aos Vingadores, a "equipe estandarte" que "representa o mundo", como afirmou Sean Howe em Marvel: História Secreta (2013). Apesar disso, desde a primeira fase da Nova Marvel, cada vez mais tenho me interessado por esse nicho. Cada cartaz que anunciava as fases (Nova, Nova e diferente e Totalmente nova e diferente) me deu mais vontade de explorar o mundo dos heróis multiculturais e multietnicos. Com roteiro do Brian Michael Bendis, melhor. Foi por essa razão - e por Riri Williams - que fui convencida a começar a ler O Invencível Homem de Ferro, com desenhos magistrais de David Marquez e do brasileiro Mike Deodato Jr.


Se o nome Brian Bendis não significa nada pra você, saiba que ele é um dos roteiristas contemporâneos da Marvel - ele é o ás da editora - que tem mais prestígio e que o tem usado para inserir personagens não-brancos, mulheres e quebrar tabus representando graficamente questões relevantes. Ele co-criou Jessica Jones, trouxe o Luke Cage para o título formando o primeiro relacionamento interracial (preto e branco) de superherois, duradouro e com discurso positivo. Ele também co-criou o Homem Aranha Miles Morales, um jovem de negro de origem latina, que de tanto sucesso, saiu do Universo Ultimate (paralelo) para o universo convencional. Morales, segundo o autor, veio da percepção de que seu filho adotivo, que é negro, não ter nenhun super-herói em quem se inspirar pra se sentir forte. O fato de Bendis não ser editor faz com que muitas das sequências não sejam escolhas suas - para o bem ou para o mal -, mas felizmente ele costuma ser um autor aficcionado por representar mulheres sem aquele fetiche explícito dum Chris Claremont, por exemplo.


As características da narrativa de Bendis que mais me agradam são as referências metalinguísticas (referências e até cenas de quadrinhos antigos) é a capacidade de explorar graficamente as emoções. Se você observar, arcos como Vingadores: a queda, tem pouquíssimo texto escrito, é muito mais dramático no uso de panorâmicas dignas de cinema. 

Podemos inclusive considerar que, apenas agora com todo o capital simbólico acumulado por anos de sucesso, - somando a isso a terceira fase da Nova Marvel - foi possível criar uma personagem interseccional como Riri Williams num provável lugar de destaque.

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Riri Williams aparece, propriamente em O Invencível Homem de Ferro #7 (maio/2016), publicado no Brasil pela Panini, na revista Homem de Ferro #4 (março/2017). Nesta edição, ela tem sua primeira aparição só para indicar que ela - ainda não nomeada -  mora no dormitório do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e, noutras palavras, é um gênio.

Homem de Ferro #4 (detalhe)
Brian Michael Bendis (roteiro), Mike Deodato Jr. (ilustrações), Frank Martin (cores)

Nas próximas edições, sua presença aumenta gradativamente, intercalada com a ação de Tony Stark e de James Rhodes no Japão. Em Homem de Ferro #4 descobrimos algumas coisas sobre essa aluna de apenas quinze anos: ela construiu uma armadura com peças "que encontrou no campus" e está ciente de que Tony Stark, o Homem de Ferro, está desaparecido há tempos. Aparentemente, ela passou noites sozinha trabalhando nesta armadura e gerou incômodo às colegas de dormitório reportados à segurança - na sequência é marcado que, possivelmente ser bolsista influencia neste incômodo.

Homem de Ferro #5 (detalhe)
Apesar da personagem que aparece interagindo com Riri não ser apresentada pra gente, ela parece ser uma melhor amiga dela naquele contexto tedioso e cheio de mansplaining E whitesplainingpra lá de The Big Bang Theory. Assim como Miles Morales, Riri tem uma companheira de dormitório que também é racializada e aparenta ser sua única confidente. Esse tipo de imagem é bastante positiva, sobretudo no título do Homem de Ferro, que sempre teve seu "melhor amigo" negro - Máquina de Combate - como um personagem secundário e muito mais proximo de brancos que de pessoas que pertencem a minorias, tal como Sam Wilson (ex-Falcão e atual Capitão América). Além disso, se em Homem de Ferro #5 a Riri já mostra que sabe muito bem o que deseja e reconhece a própria genialidade, no diálogo com a amiga, na sequencia seguinte em que aparece ela já está mais confortável ainda.

Homem de Ferro #5
Quando a segurança do campus decide checar a atividade que gera tanto barulho, Riri veste a armadura, decide que "estudar já deu" e parte para um voo de teste. Na sequência de página dupla acima podemos ver que a armadura de Riri tem uma interface digital semelhante a de Stark, exceto que, em vez de conversar com a inteligência artificial Sexta-Fera, a jovem conversa com sua amiga Sharon. Riri dá piruetas no ar, enquanto a amiga sugere o possível nome super-heróico de Riri que é Dama de Ferro

A aventura principal da revista, que é o arco de Stark e de Rhodes acontece no Japão e, com o passar das edições, vemos mais pessoas racializadas e mulheres que brancas e homens. Essa transição "lenta e gradual" é, visivelmente, uma estratégia de persuasão, pra manter a aderência dos rapazes que reclamam da diversidade e afirmam que ela está destruindo a Marvel

Homem de Ferro #6 (detalhe)

Como era de se esperar, Riri tenta fazer sua primeira investida super-heróica e algo dá errado. Um caminhão está fugindo da Penitenciária Estadual do Novo México, quando avistam uma armadura, em certa medida, parecida com a de Tony Stark. Apesar da falta de jeito inicial, a garota consegue deter o caminhão e teme pelo estado dos fugitivos. Assim que ela retira sua armadura, os policiais veem uma adolescente Negra com roupa casual e blackpower e, obviamente, abordam do "modo padrão". Essa referência sutil ao #blacklivesmatter aquece o coração, sobretudo porque ela reage de forma bem humorada, quebrando a tensão do quadrinho:

"Tô do lado dos mocinhos. Estava passando voando. Foi meu primeiro lance super-heróico. Vou melhorar na próxima"

Essas edições de Homem de Ferro (2017) já tão marcadas com o Rumo à Guerra Civil II e são uma boa forma de nos preparar para as aventuras da genial adolescente Riri Williams. Apesar da sutileza e da aparição ainda pequena, é adorável conhecer Riri aos poucos, sem a previsibilidade que heróis de longa data carregam. Sem dúvidas, vale a pena aderir à leitura desde agora porque a arte de Mike Deodato somada à narrativa de Brian Michael Bendis proporcionam uma experiência com o gênero de super-aventura capaz de convencer o mais irredutível fã de quadrinhos.

Sem dúvidas, após o cancelamento de títulos como Pantera Negra: O mundo de Wakanda (Black Panther: World of Wakanda) evidencia que o destaque a autores brancos é desproporcional, mas vamos concordar que, apesar disso, Riri Williams continua sendo uma conquista e tanto!







[Atualização em 4 de agosto de 2017: sugestão do leitor - "A Garota da Lua e o Dinossauro malvado (Moongirl and devil Dinosaur)" correu risco, mas não foi cancelado]

[Atualização em 19 de maio de 2018]: incorporado o video do canal "Comentários sobre Riri Williams"
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