DEMOCRACIA DA ABOLIÇÃO – PARA ALÉM DO IMPÉRIO, DAS PRISÕES E DA TORTURA

Angela Davis
  • A Democracia da Abolição: Para além do Império, das Prisões e da Tortura
  • Editora Difel
  • Angela Davis (Eduardo Mendieta Org.)
  • 2009 [2005]
  • 154 páginas
Por Anne Caroline Quiangala

Publicado em 2009 pela Editora Difel, A Democracia da Abolição é resultado de oito meses de entrevistas com a professora, filosofa e ativista Angela Davis conduzidas pelo professor Eduardo Mendieta. Por terem sido atravessadas pela revelação de abusos nas prisões de Abu Ghraib e Guantánamo, as entrevistas avançam desde a compreensão histórica das prisões como extensão da escravidão, a dissecação dos aparatos que mantem o sistema prisional, coações e as torturas como práticas justificadas no presente. Discute-se como o discurso sobre o "criminoso" tanto cria a sua imagética, quanto mina os questionamentos e as alternativas ao encarceramento, trazendo a centralidade do racismo na manutenção do sistema. 

Este livro é uma obra de entrada adequada porque atravessa discussões de décadas de publicações e práticas que foram incorporadas à agenda politica de Davis - como o veganismo - ao mesmo tempo fincando sua perspectiva em questões contemporâneas como 11 de Setembro, Guerra do Iraque e a "luta contra o terror" emplacada dentro e fora do território estaduniense. Além disso, a inabalável vontade de mudança de Angela Davis; apesar de todos os percalços, é deveras inspirador.




A ativista descreve a experiência na prisão, a sua autobiografia, e a própria dicotomia "nacionalismo negro e integracionismo" com uma perspectiva de três décadas, que possibilitam avaliar os métodos, causas e consequências. Ao demonstrar o processo de suas investigações interdisciplinares, e fomentar mais questionamentos, iluminar novos caminhos e áreas de atuação, Angela Davis nomeia e concatena de forma a nos fornecer novas ferramentas criticas e nos impelir a buscar nossos próprios caminhos, questionamentos e proposições de imagéticas.

Na introdução, Mendieta descreve, em linhas gerais, os termos que serão desenvolvidos nas respostas da filósofa. Ele nos prepara para o modo como Davis evidencia a relação entre os processos de criminalização como tributários de uma linguagem, imagética e retorica anti-negros, que se se mantem como estruturante do capitalismo, mesmo após a abolição - que ela demonstra ser uma falácia, já que existem formas sofisticadas de prisão, trabalho forçado e punição que mantem a continuidade entre escravidão, pena capital e sistema prisional.




Essas conexões tocam num aspecto bastante relevante no presente, porque revelam um posicionamento importante desta pensadora. Apesar de reconhecer as vitórias no passado e de se inspirar nelas para manter o folego da luta, ela reafirma a urgência de focarmos nos desafios do presente buscando novas soluções, aportes e abordagens. Essa ênfase que Angela Davis dá ao reconhecer a importância dos pilares do passado e construir enquanto avista o futuro, pensando no meu agora, foi uma preparação para a teoria Afrofuturista. Digo seguramente, apos ter lido Aphro-ism, das irmas Aph e Syl Ko:




O que acho fascinante nisso tudo, é como ela toma um fato, um conceito, um modelo, uma experiência coletiva e demonstra os desdobramentos como se puxasse uma meada e desfizesse os nós. E, além de nos inspirar a buscar nossas próprias interpretações, ela nos prepara para o entendimento de que só existe o que somos capazes de imaginar. Se podemos imaginar, e isso pode existir, já temos o combustível anti-letargia, já compreendemos como o ativismo de pessoas como ela, Gilberto Gil e tantas outras se matem firme depois de tantos anos.

Em A Democracia da Abolição temos um panorama do pensamento, conceitos e afiliações distribuídos ao longo de 154 paginas. Há neste diálogo uma análise do sistema de opressões enraizados na lógica capitalista e se atualizando para a ampliar sua área de domesticação e exploração de animais humanos e não-humanos (fato que motivou Davis a tornar-se vegana). 

Uma das características mais admiráveis no ativismo de Angela Davis é seu engajamento radical e acumulativo. 

Para quem deseja ler as obras, acredito que esta seja uma consistente introdução, para que a leitura de obras como Mulheres, Raca e Classe, Mulheres, Cultura e Politica e Liberdade é Uma Luta Constante sejam entendidas no contexto, linguagem e lógicas do processo. Por meio desta obra, podemos acessar a trajetória intelectual de Angela Davis com maior profundidade e entender o modo como a tortura e o cárcere direcionado à população racializada são enraizados na lógica capitalista e se atualizando para a ampliar sua área de domesticação e exploração de "pessoas humanas".

A Democracia da Abolição também pode ser precedido da leitura de O que é encarceramento em massa, de Juliana Borges, e do documentário A 13ª Emenda, da Ava Duvernay, caso você não tenha nenhuma ideia do que seja o ativismo anti-prisional. 

Em suma, é importante compreender a dimensão prática da Democracia da Abolição, começando por questionamentos, reconhecimento das vitórias do passado, e a busca por novas soluções para os problemas do presente.



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