10 problematizações LGBT que vocês deixaram de lado por causa de hype!


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O dia 28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBT. Nessa mesma data, em 1969, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e drag queens se uniram contra as batidas policiais que ocorriam com frequência no bar Stonewall-Inn, em Nova York. O episódio marcou a história do movimento LGBT, que continua lutando por direitos e visibilidade. Em homenagem à data, durante o mês de junho, portais nerds feministas se juntaram em uma ação coletiva para discutir de temas pertinentes à data e à cultura pop, trazendo análises, resenhas, entrevistas e críticas que tragam novas e instigantes reflexões e visões. São eles: Collant Sem Decote, Delirium Nerd, Ideias em Roxo, Momentum Saga, Nó de Oito, Preta, Nerd & Burning Hell, Prosa Livre, Séries por Elas, Valkirias. #wecannerdit #nerdiandade #nerdgirl #feminismonerd

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Stef e Lena, protagonistas de The Fosters

A segmentação do mercado tem sido a resposta ao desgaste de temas e de representações nos produtos de massa. Apesar de diversidade estar na moda, a maioria das grandes empresas do ramo do entretenimento investem dinheiro para manter imagens conservadoras, principalmente no cinema. Apesar disso, a contraparte que contribui para a ovação de produções refresh é a crítica e o público em geral. Depois do frustrante retorno de Gilmore Girls e seu culto a uma vida privilegiada a ponto de escolher abdicar do conforto excessivo, é bem óbvio o retorno de The L word (ou seria The N word?).

Não li nenhum textão que expressasse solidariedade por Michel, um personagem negro e gay, que era retratado como uma piada em si ao longo de oito temporadas das garotas Gilmore. Mas emergiram muitas garotas identificadas com/como Rory para defender com unhas e dentes o que chamam de representação.

É um equivoco comum confundir representação e representatividade. Representar é simplesmente inserir elementos do real como grupos sociais, relações, lugares etc em obras. Sabemos que o lugar de fala (quem você é, de onde vem, como se identifica, como te enxergam) filtra a percepção do real, de modo que a representação pode não apenas ser bem diferente de como a audiência enxerga, como faz com que, muitas vezes, ela não se sinta representada. Daí decorre a representação sem representatividade.

Além do problema de uma obra representar e não proporcionar às pessoas a sensação de serem representadas, o silêncio do público significa a complacência para com o lado mais forte da corda. Há um esforço enorme em silenciar críticas quando falamos de representações que parecem progressistas ("vocês nunca estão satisfeitas" ou "parem de criticar quem tá ajudando") e, cada vez mais, uma ala do feminismo (branco) vira as costas para agendas de mulheres racializadas.

A grande questão é que avançamos o suficiente para não aceitarmos mais migalhas fantasiadas de representatividade. Sempre os mais próximos da norma são eleitos para serem modelo do que é um outsider "aceitável", mas vivemos tempos em que a vocalização nos permite expressar o equívoco nisso. No que se refere a gênero e à sexualidade, casais brancos e classe média estão há décadas sendo avatares da população LGBT. Por esta razão, é urgente discutir orgulho LGBT numa perspectiva complexa, que englobe raça e classe, além de questionar o apagamento da bissexualidade, de espectros não sexuais e SOBRETUDO, a reprodução da heteronormatividade como possibilidade única de performance.

É grave como a ansiedade (branca) transforma a representação num desdobramento do antagonismo social via o apagamento de sempre. À medida que a hype direciona o olhar, o consumo e a seletividade crítica para séries como a totalmente racista Orange is The New Black, a higienizada Sense8 e anseiam pelo retorno de The L word, projeta sombra sobre séries que discutem de forma mais completa e respeitosa.

Não existirá orgulho LGBT+ enquanto a irresponsável Shane for o ideal de lésbica e que a única negra relevante pra história seja a personagem mais transfóbica, alcoolista e disfuncional de todas. Claro que a primeira coisa que dirão pra me deslegitimar é que eu estou sendo exagerada, afinal naquela época... Naquela época o que? Não havia Willow e Tara? Não havia Original Cindy? Você sabe quem foi PAM GRIER? E, aliás, qual o lugar do negro no mundo dos shippers?

Bem, aproveitando a semana de orgulho LGBT+ formulei uma lista com 10 séries que discutem e poem em xeque representações tradicionais de homossexualidade nas séries. Nem sempre o foco principal é esse, mas a discussão de forma complexificada é o básico, afinal interseccionalidade é o mínimo que a nossa geração deve exigir.

10) One Day At time (2017-...)
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One Day at a Time (2017) é uma websérie Original Netflix no formato de sitcom escrita por Gloria Calderon Kellett e Mike Royce

Na Ação Nerd Feminista do dia 8 de maio, a Camila Cerdeira escreveu sobre a representação da identidade latina em One Day at Time. A comédia é centrada numa família de origem latina, com três gerações: a avó Lydia (Rita Moreno) que é cubana,  Penélope (Justina Machado), uma ex-militar divorciada que cria um filho vaidoso e uma filha feminista. A mãe de Penélope é um sustentáculo, porque apoia emocionalmente e a ajuda a cuidar das crianças e das tarefas domésticas.

O que mais me chama a atenção na série é como ela representa o que há de melhor e o que há de real na experiência de minorias sociais. Sim, as pessoas erram - e muito - embora tentem acertar na maioria das vezes. A diferença geracional evidencia o quanto dialogo e afeto são importantes e dissolvem valores tradicionais em prol do bem-estar e da liberdade. Exemplo de incômodo que senti é o modo como reforçam aspectos tóxicos na educação do caçula Alex (Marcel Ruiz), mas isso não é uma descrição pura e simples, vez ou outra há discussão sobre a masculinidade latina que surpreende.

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A interseccionalidade, isto é, o fato de serem mulheres e latinas torna todas as interações sociais e afetivas tão complexas quanto as nossas - e este é o ouro da série. Ter consciência de que os estereótipos podem nos moldar até certo ponto, rir e buscar alternativas, tudo isso se mescla na vida dessa família. Dentre as discussões postas pela série, no topo está o fato de Elena (Isabella Gomez) ser uma jovem de origem latina e que "gosta de garotas". É evidente que a reação inicial da família - sobretudo o pai - é de execrar a garota, mas tudo vai sendo discutido de forma séria, responsável e não idealizada. Quando Penélope admite que lesbiandade não era o que ela desejava e se propõe a desconstruir  seus preconceitos, temos uma lição adorável sobre amor, respeito e empatia.

9) The Fosters (2013-...)
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The Fosters é um título ambíguo, que identifica tanto o sobrenome da família quanto o fato de ser um lar de crianças adotadas

The Fosters é uma resposta positiva à segmentação do mercado. A série desenvolvida por Jennifer Lopez e criada por Bradley Bredweg e Peter Paige é um típico drama familiar, exceto pelo fato de ser constituída por duas mães e vários filhos adotados de diferentes pertencimentos culturais e raciais. Stef (Teri Polo) e Lena (Sherri Saum) são um casal inter-racial, sendo que Stef foi casada com um homem e tem um filho biológico. Apenas esses pontos são suficientes para discussões necessárias como lésbicas grávidas, amor inter-racial, pertencimento e interseccionalidade.

Sem dúvidas, a realidade de Lena e dos filhos latinos é de muita alienação em termos de raça e até de classe. Apesar de parecer, por vezes, rasteira nas discussões, é bastante válido se inteirar das quatro temporadas de The Fosters. O simples fato de assistirmos a cenas de afeto, companheirismo e valores positivos associados a personagens que não são idealizadas ou simplesmente "higienizadas" cria uma identificação raríssima. Além disso, questões como suicídio, estupro e slutshame são discutidas de forma responsável, com intuito de conscientização. A série também é muito corajosa por discutir a descoberta da sexualidade por crianças e adolescentes, rompendo o mito de que "sexualidade é uma escolha da fase adulta" - afinal de contas, sexualidade é bem mais uma questão de autoconhecimento que de escolha.

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Se você deseja assistir uma série que idealiza a construção de identidades desviantes em termos de raça, classe, sexo, gênero e sexualidade esta série pode ser frustrante para você. Mas se souber que os problemas que a série apresenta são desafios reais e diários, sentirá uma pitada de identificação.

8) Crazyhead (2016)
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Finalmente a revanche de Susie Wokomam depois do horror chamado Chewing Gum <3

Se mesmo depois de eu ter dado 10 motivos para assistir CRAZYHEAD você ainda não assistiu a essa série original Netflix Crazyheal preciso reforçar - e espero que você seja fã de Buffy a caça vampiros. A narrativa gira em torno de duas, "choose One" (duas escolhidas). Diferente de Gilmore Girls que trouxe o frustrante revival EXATAMENTE igual aos anos 2000, Crazyhead desafia, ironiza e ataca quase todos os problemas das series daquela época. Claro que Willow/Tara foi uma revolução, bem como a moça loira sobreviver ao show de horror, mas havia muito pra melhorar em termos de representação. Se Joss Wheadon não permitiu que a caça-vanpiros Kendra sobrevivesse, porque só podia ter uma escolhida, Howard Overman fez de Rachel (Susie Wokoma) uma protagonista e tanto!

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Você acha mesmo que ter um pênis te imuniza do perigo?

Ao longo da temporada, o ego masculino vai sendo questionado bem como seu status quo na sociedade. Há umas deixas sobre homossexualidade que não se concluem e constantes tensões sexuais entre as garotas e entre os garotos. Esse comentário sobre a fluidez afetivo-sexual é importantíssimo porque quebra a noção de sexualidade como identidade constante, sólida e permanente, afinal, nenhuma identidade é estável. Além disso, discute-se a uma forma específica de amor que somente a sororidade proporciona. E pra quem é de ship, pode shipar até que venha a segunda temporada!

7) Misfits (2009-2013)
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São 5 temporadas, mas tem na Netflix :D

Assim como The Fosters e One Day at Time, a série inglesa Misfits tem múltiplos protagonistas e isso fragmenta bastante as discussões. O que é ótimo, pois amplia os temas. O que é péssimo, pois conhecemos todos superficialmente. Nesta série, acompanhamos o cotidiano de jovens em conflito com a lei prestando serviços comunitários. Depois dum evento surpreendente, todas e todos adquirem poderes estranhos e se tornam uma equipe de "jovens com talentos especiais", em sua maioria racializados.


Um dos assuntos mais interessantes que a série aborda é a diferença entre sexo, gênero e orientação sexual. Curtis (Nathan Stewart Jarrett) é um jovem preto com um futuro promissor no esporte, mas é acusado de porte de drogas. A principio, o personagem parece ter uma hiper-masculinidade em relação aos demais colegas, e também sofre bastante objetificação (apesar de que seu machismo o impede de compreender isso).

É um tanto incômodo ver seu repertório de slutshame com as garotas, mas isso tem uma reviravolta surpreendente: seu poder é o de mudar de sexo. Com isso, ele tem que lidar com questionamentos sobre "o que é ser homem", "ser mulher é muito difícil", " o que é heterossexualidade" e "qual o peso do corpo em relação ao que eu sou". É interessante como a circunstancia forçou uma empatia e uma moralidade sexual diferente daquela que os privilégios proporcionam e causam mudança efetiva em Curtis.

6) Queen Sugar (2016- ...)
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Vocês já sabem como sou apaixonada pela Rutina Wesley

Queen Sugar é uma série que materializa meu plano das ideias, inclusive porque Rutina Wesley é a minha super-heroína. Produzida por Oprah Winfrey e dirigida por Ava DuVernay, Queen Sugar narra a história de três irmãos que, após a morte do pai, se reúnem para lidar com os espólios materiais, históricos e emocionais. É um drama familiar conduzido, iluminado e dirigido através da melancolia (blues) e, dentre diversos acertos da excelência negra, a série foca na jornalista e ativista Nova Bordelon (Rutina Wesley) suas contradições e sua força como guerreira pela justiça social.

Como jornalista, Nova expõe a violência policial (#blacklivesmatter) e denuncia o encarceramento em massa. Ela é o elemento de conexão com o sagrado e as tradições negras, adorável e brilhante, mas apaixonada por um policial branco casado. Esse conflito de interesses, revela contradições profundas de políticas, relações, amor e a história dos negros na diáspora.

O relacionamento com o policial é a grande contradição que move a vida de Nova e isso mostra um aspecto que precisa ser discutido com profundidade, mas que não é o que há de mais interessante sobre a série.

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Nova é gradativamente mostrada a partir da vocalização de agendas da população negra e, numa participação na rádio, ela conhece a também ativista negra Chantal Williams (Reagan Gomez-Preston). Apesar de breves aparições ao longo da primeira temporada, o relacionamento entre Nova e Chantal representa um avanço considerável por simplesmente mostrar afeto entre pessoas negras. Diferente do que pode parecer, Nova se identifica como "atraída por almas, não por gêneros" e isso a torna um exemplo potente de personagem pansexual racializada.

5) Dark Angel (2000-2002)
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Diamond e Original Cindy

Dark Angel é talvez a série mais progressista da sua época: uma distopia feminista, antirracista e com uma personagem negra e lésbica fora dos estereótipos. O núcleo da série é a personagem Max Guevara (Jessica Alba) uma ex-soldado com habilidades acima do comum e que luta contra uma corporação militar eugenista. O mundo está devastado após um bug internacional dos sistemas bancários, mas o grupo de pessoas que acompanhamos tenta sobreviver.

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Cintía ou simplesmente, Original Cindy (Valarie Rae Miller) é descrita como "muito mais que uma lésbica lipstick" tanto porque uma mulher racializada não é o padrão de feminilidade, quanto porque mesmo aparentando uma feminilidade padrão, ao longo da série, ela tem uma personalidade bem desenvolvida a ponto de questionar a reprodução da heteronormatividade por casais lésbicos. Seu sarcasmo, amizade e lealdade são o ponto alto da série, pois questionam valores tradicionais do patriarcado. Apesar da série focar no relacionamento entre Max e Logan (o que rende discussões sobre capacitismo e relacionamento inter-racial) há cenas em que a  sororidade entre Cindy e Max é magnifica.

4) Strange Empire (2014)
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Rebeca e Morgan

Strange Empire é uma série incrível, que se passa em 1869, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Após um evento insólito, um grupo de mulheres procura uma forma de sobreviver sem os homens. A protagonista é a indígena Kat Loving (Cara Gee), uma mulher forte e generosa que acabou de passar por um trauma.  Isabelle Slotter (Tattiawna Jones) é negra, ex-prostituta, casada com um nobre em decadência e Dr. Rebecca Blithely (Melissa Farman) é uma orfã, portadora de Síndrome de Asperger, de origem judaica e cientista.

Apesar desse seriado parecer um "canto das três raças", há discussões relevantes sobre sexo, raça, gênero, sexualidade e classe. Além de dedicar razoável tempo em tela para o relacionamento inter-racial sem branco (Isabelle e Ling) há um personagem que rompe o silêncio sobre normas de gênero sim, no século XIX: Morgan Finn.

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* Morgan Finn

Embora Rebeca seja uma médica, ela desconhece o sexo. Quando ela toca Finn pela primeira vez, sente uma eletricidade que pretende experienciar e, passado um tempo, eles tem uma relação sexual. Rebeca não compreende no primeiro momento o que significa, mas lida com isso sem alarde. Seu afeto e desejo pelo cowboy são retratados de forma natural, sem idealização e sem terrorismo e isso é bastante positivo.

Apesar disso, o arco de Morgan é doloroso. Ele representa a violência a qual pessoas trans estão sujeitas tanto física, quanto moral e psicologicamente. Por ter nascido biologicamente como mulher, Morgan é descrito por fãs como "lésbica", bem como Rebeca, por ama-lo, mas é importante frisar que isso reflete a transfobia e o capacitismo da audiência. "Mulher" ou "Homem" não são gêneros definidos pelo sexo, são identidades que, tal como a identidade lesbiana, podem residir em diferentes suportes corporais. Identidade de gênero não é sobre alguém reconhecer, legitimar e entender o que a outra pessoa é, mas sobre o que e como a própria pessoa (se) sente.

3)Black Sails (2014-2017)
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Max e Eleanor Guthie

A série Black Sail conta a história do Capitão Flint na Era Dourada da Pirataria (século XVIII), mas foca em diversos núcleos narrativos, desde facções até a trajetória individual de grandes piratas. Neste mundo dominado por homens sedentos por dinheiro, glória e poder, evidentemente o lugar das mulheres é bem determinado - exceto uma.

Devido ao prestígio de sua linhagem familiar, Eleanor Guthrie (Hannah New) é uma típica garota branca que se tora a figura política mais importante da ilha de Nova Providência. Seus privilégios e seu caráter forte não suficientes para manter a coesão entre os interesses pessoais, os do povo, dos diferentes comandantes e, sobretudo, da Coroa inglesa. Apesar do contexto exigir dela uma força descomunal, sua condição de "segundo sexo" a torna instável emocionalmente e obcecada pelo poder. É a partir da ótica dela que somos introduzidas ao seu affair: Max (Jessica Parker Kennedy), uma mulher negra de pele pouco pigmentada e prostituta.

Eleanor é o clássico exemplo do feminismo liberal branco já que a sua identidade é totalmente construída a partir da necessidade de sucesso individual. Seu modo de se relacionar com Max é egoísta, abusivo e pode ser classificado como queerbaiting, ou seja, a representação da homossexualidade de forma superficial e objetificante.

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Por outro lado, a pirata Anne Bonny rompe este ciclo. Bonny é uma "branca salvadora" que usa de seu privilégio pra retirar Max duma situação degradante. Apesar dessa narrativa estar longe do ideal (inclusive porque parece um padrão afetivo de Max) o desenvolvimento dessa relação evidencia aspectos relevantes. Assim como Max, a pirata passou por incontáveis situações abusivas e precisou se tornar badass para sobreviver. Ao longo de sua trajetória, ela conheceu um pirata que não a diminuía por ser mulher e eles se casaram.

Esse casamento é muito mais um ato de lealdade selado entre os dois que outra coisa, porque o amor que Anne Bonny sente por Max é mais cúmplice e sublime. Muitas vezes, Max é descrita como lésbica, mas isso decorre do mesmo erro da transfobia em relação ao Morgan Finn. Sem dúvidas, a experiência de mulher racializada, filha bastarda dum homem branco, faz como que ela se sinta mais confiante na presença duma mulher, mas isso não muda o fato de se sentir sexual e afetivamente por homens.

Não há sentido em ignorar sua bissexualidade, nem mesmo a de Bonny. Com o desenrolar dos episódios, o conceito de casamento é amplificado pela relação entre Max e Bonny admitir a presença de Jack, a fluidez e o peso do afeto e da sexualidade.

2) Greenleaf (2016-...)
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A série Greenleaf é um drama familiar centralizado numa família protestante que fundou uma igreja e a mantém como fonte de riqueza e poder. Acompanhamos a história na ótica da pastora Grace Greenleaf (Merle Dandridge), a mais cotada da família para manter a dinastia. Ela retorna ao lar dos pais após vinte anos distante, motivada pela revelação de segredos morais e criminosos da família.

Na própria constituição do núcleo familiar, temas diversos são introduzidos, dentre eles a aparente contradição entre ser negro, cristão e gay. O cunhado de Grace,  Kevin Satterlee (Tye White) é uma pessoa adorável e respeitosa que se destaca por isso num meio em que a ambição é prioritária. A despeito de sua orientação sexual ser oposta à prática, sua conduta em relação à companheira é a mais estável e respeitosa da série - o que é pouco saudável para ele.

Sua angústia evidencia a força da heterossexualidade compulsória e debate o quanto a religiosidade é uma das tecnologias de gênero que mais aplica a famosa lei "não pergunte, não diga". Um dos interesses amorosos de Kevin é um homem branco, assumidamente gay, e essa sobreposição é um amplo leque de discussões sobre masculinidade, exotização e estereótipos de gênero.

1) How to get away with murder
Crossover Annalise Keating feat. Jean Grey

Talvez How to get away with murder seja a série que a maioria de vocês conheça e admire, então não vou descrever a sinopse nem me ater à maravilhosidade que é Viola Davis per se. Em vez disso, queria chamar a atenção para a potência do discurso sobre gênero, raça e sexualidade que atravessa a série. Temos desde o inicio a revelação de Connor (Jack Falahee) como um personagem gay padrão, mas ele que vai se tornando mais complexo ao longo das temporadas. Seu relacionamento com Oliver (Conrad Ricamora) é um exemplo, em grande parte, positivo em termos de racialidade pois foca na percepção e na desconstrução do racismo que o pertencimento social de Connor determina. Mostra que Oliver é um sujeito racializado que ainda não tornou-se, um fato que não pode ser ignorado, já que sua identidade de gênero não é um problema.

"Eu sou gay, já ela..."

Como vocês sabem, Annalise é uma personagem deveras complexa e cada revelação evidencia o quanto precisamos de mais informações para compreender suas ações, pensamentos e sentimentos. Uma das questões mais importantes e menos discutidas pela audiência é o relacionamento entre ela e a advogada Eve (Famke Janssen). A relevância ultrapassa o apontamento para a fluidez da sexualidade da protagonista, porque é uma representação que sobrepõe raça, gênero, idade, sororidade, normatividade e, claro, os afetos. HTGAWM é especialista e mostrar que interesses pessoais, afetivos e materiais não podem ser analisados de forma simples, principalmente se privilégios estão em jogo ou se a total ausência deles demanda um constante senso de autopreservação.

Devido à complexidade que a série oferece e pelo silêncio da audiência a respeito do panorama de representatividade, optei por colocar em primeiro lugar uma série que a maioria de vocês já assistiu e lembrar que, muitas vezes, representação também é uma questão de olhar.
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