[Painel] Diversidade nos quadrinhos

Ariell Johnson é a primeira mulher Negra dona de Comic-Shop, a Amalgam Comics e Coffee


No mês da História Negra (Black History Month), exatamente em 24 de fevereiro de 2017 , aconteceu o "Dia do Super-herói" na Filadélfia (Pensilvânia). Este evento foi promovido pela Allstate Insuranse que convidou a empresária Ariell Johnson (primeira mulher negra proprietária de comic shop nos EUA) na campanha "Histórias que importam" (#WorthTelling). Além de Johnson, participaram outros influenciadores como Maurice Waters (presidente do BlackSci-Fi.com), o colaborador do portal Philly.com/geek Len Webb (Bat Tribble do podcast Black Tribbles) e Karama Horne (@TheBlerdGurl). Dada a importância desse evento, que reuniu ícones da comunidade preta e nerd dos E.U.A, farei neste post um panorama do painel "Diversidade nos quadrinhos: Dia do super-heroi na Amalgam Comics e Coffee (DIVERSITY IN COMICS PANEL FROM SUPERHERO DAY AT AMALGAM COMICS AND COFFEE), que foi publicado no canal de YouTube da Karama Horne (@TheBlerdGurl).

Ariell Johnson, THE GIRL
"Tudo o que eu faço, faço como uma mulher negra"
(Ariell Jonhson)

Esta impactante frase de Ariell Johnson define bastante sua perspectiva como preta e nerd. Johnson é proprietária da Amalgam Comics and CoffeeHouse, que ela define como "um espaço geek inclusivo, onde qualquer pessoa esteja segura". 

A construção da Amalgam foi acompanhada com interesse pelos portais da comunidade "blerd" (black+nerd) e "bleek" (black+geek), mas o grande start foi a publicação da capa variante de Iron Man #1 com Riri Williams (Ironheart) e a própria Ariell.

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À esquerda, a capa variante da revista e, à direita, Ariell

Aqui no Brasil, o mercado direto é majoritariamente eclético (bancas de jornal e livrarias) e, mesmo que as grandes livrarias estejam se especializado em quadrinhos ainda carecemos de lojas com demandas específicas. Na maioria das vezes, no Brasil, os varejistas vendem por consignação, de modo que influenciam pouco o público nas vendas, enquanto nos EUA os donos de comic shops compram lotes, e por assumirem este risco, podem sugerir estratégias de marketing, continuidade das histórias além de escolher o título de destaque nas prateleiras. Outra distinção é que nos EUA existe uma associação de comic shops que tem uma influencia considerável nas editoras Marvel e DC. 



Tudo isso é importante pra compreender os efeitos das iniciativas de "Diversidade nos quadrinhos mainstream" que tem sido interpretada de forma bastante leviana pelos indivíduos que se consideram "nerds de carteirinha". Falta honestidade e profundidade no debate sobre a "inclusão de minorias" em veículos de maior alcance, mas a questão das vendas da Marvel foi muito bem discutida por feministas nerds no Collant sem Decote e Delirium Nerd (português) e Women Write About Comics e Black Girl Nerds (inglês).

PAINEL: A NECESSIDADE E O ATUAL ESTADO DA INCLUSÃO 

(esq/dir) O painel foi moderado por Len Webb (Black Tribbles) e contou com Ariell Johnson (Almagam Comics and CofeeHouse), Karama Horne (The Blerd Gurl) e Maurice Waters (Black-SciFi)

LEN WEBB começou o debate perguntando aos participantes sobre o modo como enxergam a diversidade de representação no mundo dos super-heróis e a mudanças na franquias. Para ARIELL JOHNSON, o debate tem aumentado graças à internet, porque as pessoas podem se expressar sobre o que veem (ou não veem) e as grandes produtoras podem seguir por aí. KARAMA HORNE concorda. Para ela, a introdução da Kamala Khan, a nova Miss Marvel, roteirizada pela G. Willow Wilson uma história sobre uma jovem de origem paquistanesa em sua jornada pessoal que se desenvolve vai dissolvendo a ideia de oposição entre ser muçulmana e estadunidense. Dar oportunidade de publicação duma obra dessas fez com que alcançasse o primeiro lugar em vendas e os executivos podem ter pensado que "ó, talvez possamos fazer quadrinhos para pessoas marrons". Houve portanto, a criação de novas histórias e também reformulação como a do Capitão América Sam Wilson (que não é o primeiro Capitão América Negro, mas isso é outra história). Apesar de certas premissas nas HQ, personagens negros como o Máquina de Combate (James Rhodes), são inexpressivos nos filmes da Marvel e também nos da DC.  A DC tem a Powergirl (Tanya Spears) desde 2015, que é uma adolescente como a Riri Williams. O que isso significa? Que tanto a Marvel quanto a DC perceberam o quanto isso é rentável. Honestamente, essas mudanças são sobre nós comprarmos quadrinhos. 

Aliell Johnson e Karama Horne

"Eu [Karama] vivo no Brooklyn, eu vivo uma realidade racializada. O que eu acho que está acontecendo é a junção da internet (as pessoas dizendo o que desejam ou não ver), com o que realmente importa para as empresas (o lucro)!" (KARAMA HORNE)

MAURICE WATERS completa: além de pensar no consumo de quadrinhos mainstream ou alternativos, é preciso apoiar aos lojistas negros e negras para desenvolver o mercado para pessoas negras. A Amalgam é importante pra mim, dentre muitas coisas porque posso tomar café e ler quadrinhos, inclusive além do fato de que nós deveríamos gastar dinheiro em locais como esse. Ok, Marvel e DC estão mais interessadas do que nunca, mas a diferença dessa vez é o consumidor. Me desculpe [dirigindo a Loebb, com a camiseta do Batman], mas precisamos de histórias além da eterna luta entre Batman e Coringa.

Pôster do evento
ARIELL acredita que se observarmos nos bastidores, o público preto,  marrom e LGBT+ é tratado como um amálgama de letras e que apoia-los significa da o que queremos, e isso funciona na indústria de quadrinhos. Segundo ela, nos apoiar, significa apoiar equipes criativas em que estejamos presentes. Se eu respeito essas pessoas, quando visitam a minha loja, elas e eles obviamente retornam. Se a Marvel e a DC fizessem isso, as vendas iriam bem sempre. "E com isso, não falo apenas de dinheiro, porque o público faz o que faz por amor", afirma.

Um ponto importante é que a mudança radical que tem acontecido no mercado em relação ao domínio do mainstrem pelas duas grandes (the big two), que é o crescimento de outras editoras como a IDW, Image, Dark Horse e, sobretudo a VALLIANT (publicada no Brasil na plataforma digital Social Comics). Para KARAMA é um problema nos referirmos ao mainstream como Marvel e DC, pois isso significa que ignoramos a força que as vendas da Valliant e da Image juntas. Ambas as editoras reundem uma série de artistas e roteiristas indie  que fizeram e fazem parte das "duas grandes", então "gosto de pensar em Três Grandes, sendo que a terceira força é dos quadrinhos independentes".

Len Webb

LEN WEBB se dirige especificamente a ARIELL JOHNSON: "Ariell, como você se sente fazendo parte da indpustria de quadrinhos como uma mulher racializada?" e ela responde brilhantemente:

"Ser mulher e Negra, automaticamente me coloca fora do que é imaginado como nerd ou geek, que é [imaginado como] branco e homem. Às vezes, existir neste lugar é estar em desacordo com o que aquelas pessoas querem. Elas questionam minha presença e mostram de forma agressiva seu desagrado. Os espaços são, muitas vezes tóxicos, para pessoas como eu. As agressões são verbais ou até mesmo físicas, se você for uma cosplayer" (ARIELL JOHNSON)

Então, LEN WEBB questiona: " E sobre a diversidade das equipes criativas? Isso é mais proeminente hoje em dia, como isso influencia as histórias?". Para MAURICE WATERS, as pessoas se produzem por uma necessidade de expressão, mas que a grande diferença para a geração anterior é a oportunidade. O fato de Marvel e DC reciclarem histórias desde sempre causou um desgaste a ponto de evidenciar o quanto todo mundo que é diferente ter algo novo e importante a dizer. "Eu quero ouvir histórias" ele afirma, "eu quero ter a opção de ler histórias diferentes e até que histórias que eu não entenda". Para ele, o mercado tem sofrido um empurrão necessário nas histórias , isto é, mudanças incríveis promovidas pela presença de autoras e autores indie.

Karama Horne e Maurice Walters
Notamos que, além da ampliação do público-alvo, e da diversificação de equipes criativas (raça, gênero e identidade do traço) a amplificação das vozes, possibilitada pela internet construiu um contexto favorável para nosso consumo de quadrinhos. LEN WEBB então, questionou aos participantes sobre o papel da comunidade blerd online na promoção de espaços seguros para autoconhecimento e identificação de pretas e pretos nerds.


ARIELL JOHNSON, pessoalmente como blerd girl, se recorda como foi assustadora sua primeira experiência numa comic shop. Pra ela, o horror que sentiu naquele espaço foi um dos fatores que a motivou a ter sua própria loja. Além da hostilidade de olhares e comentários, a única leitura que concebiam como interesse dela - por razões óbvias - era X-Men. Ela descreveu a sensação que sentiu como "medo de falar ou de fazer a coisa certa ou de perguntar. Estar num lugar onde todos são muito diferentes de mim [e iguais entre si] foi intimidador". Sem dúvidas, a comunidade nerd tem uma reputação de crueldade elitista e de hostilidade para com novos leitores ou com leitores ocasionais e isso também é um dos fatores de intimidação. Para Ariell, a comunidade online a deixou mais confortável por mostrar que não era a única: "não só eu assisto Dr. Who, fora que há inúmeros pretos e pretas nerds que assistem The Walking Dead".


KARAMA HORNE acredita que geeks [fora do padrão pressuposto] na internet são vistos como invasores, porque na adolescência, ser geek era mal visto, enquanto hoje todo mundo acha bacana e curte o que antes era visto como estranho. "Sobre o espaço virtual, ele pode ser tão hostil quanto. Recebo inúmeros twitts e emails agradecendo por terem [no meu site] um espaço seguro". É comum que cosplayers, inclusive os profissionais, que não são aceitos por pertencerem a grupos racializados. "Acredito que hoje em dia há mais espaços nos quais as pessoas se sentem bem-vindas. É sobre inclusão e, como eu disse antes, é sobre a realidade, a minha realidade", conclui.

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Sem dúvidas, sempre houve pessoas negras consumindo e produzindo quadrinhos. Para Maurice, a diferença hoje em dia é que a internet possibilita  o encontro entre admiradores. "Quando me defino como black scify ou a Karama como blerd gurl, não é para definir um nicho exclusivo, ao contrário, é com o objetivo de promover uma experiência que inclua a todas as pessoas", afirma Ariell. Segundo a empresária, a experiência de ler quadrinhos é muito solitária, já que você compra, vai pra casa ler e fica pensando naquilo tudo. Geralmente não temos com quem falar, e discutir sobre as histórias e é aí que está a crescente importância das redes sociais: "é nelas que a sinergia acontece".


Assista o painel na íntegra (em inglês):



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