Homem-Aranha no Aranhaverso é o melhor filme de super-herói até hoje!

Miles Morales, que garoto incrível








por Anne Caroline Quiangala

SEM SPOILER

"Quem não ama o Miles Morales e a Kamala Khan não tem coração" é a minha frase-padrão desde que a Marvel pôs em evidência a nova geração de super-gente nos títulos principais do universo convencional, a Terra 616. Com essa resposta em mente e o coração pronto pra me apaixonar, eu entrei, dia 19 de dezembro de 2018, na cabine de Homem-Aranha no Aranhaverso.

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Homem-Aranha no Aranhaverso é uma animação protagonizada pelo Homem-Aranha Miles Moral, personagem criado pelo roteirista Brian Michael Bendis e pela ilustradora Sara Pichelli  em Ultimate Fallout #4 (2011). O filme foi produzido pela Columbia Pictures e Sony Pictures Animation em associação com a Marvel, e é distribuída pela Sony Pictures. Vale lembrar que a animação recebeu o Globo de Ouro 2018 na categoria Melhor Filme de Animação.

Pra quem nunca ouviu falar de Miles ou do Aranhaverso, mas ama a ideia de um herói que é picado por uma aranha radioativa e adquire poderes aracnídeos, esse é o seu filme. Homem-Aranha no Aranhaverso é uma perfeita introdução ao conceito de multiverso dos quadrinhos (um tanto quanto diferente das teorias mais aceitas na Física). Primeiro porque o filme é protagonizado por um garoto negro representado em toda a sua complexidade e sem cair nos estereótipos, ou mesmo no erro de reduzir o indivíduo à violência física ou psíquica. A busca de Miles pela "normalidade" não está relacionada ao racismo "stricto sensu", assim como sua relação com a polícia não é vista sob o prisma da violência policial: ele é um pré-adolescente de origem afrolatina, numa jornada em busca de sua identidade e autoconfiança. 

Em segundo lugar, Homem-Aranha é uma delícia de tradução dos quadrinhos para a telona,  caprichosa nas camadas de significação. O fato de a música ser uma das paixões de Miles, ferramenta que ele usa pra se concentrar, fortalecer e se sentir poderoso remonta um dos aspectos do que a filósofa Angela Davis descreve em Blues Legacies and Black Feminism como ancestralidade. A cultura oral e a musicalidade dos povos africanos se tornou uma das heranças mais evidentes da população diaspórica, fonte de conhecimento e consciência política, nas mais diversas vertentes, do rock ao soul, do funk ao blues. 

A força que a música tem na animação, aliás, determina o ritmo das imagens e ações de uma forma sinestésica, uma vez que as cores néon, as retículas, hachuras e outros elementos de histórias em quadrinhos se sobrepõem e contorcem gerando a impressão de ruídos. A própria ideia de recorte, colagem, recriação está na raiz do rap e se transmuta em imagem, que não é puramente filme, nem puramente quadrinho. 

O terceiro ponto é que Homem-Aranha no Aranhaverso é um híbrido em múltiplas camadas: misto de filme de super-herói com dramaticidade e humor na melhor proporção; identidade visual marcada por elementos de quadrinho sem ir pelo caminho simples do quadrinho animado.

"Todos temos poderes, de certa forma" (Mary Jane Watson)


"GRANDES PODERES, GRANDES RESPONSABILIDADES"


Aranhaverso parece beber de todas as experimentações que a Marvel fez na TV e no cinema, em animação e liveaction. Se você observar bem, temos o humor que não ofende, ao contrário, gera mais identificação e empatia com o personagem; os personagens são iguais aos dos quadrinhos, em personalidade e aparência e, o mais importante: temos um roteiro original cuja estrutura e o argumento em si são adequados ao que tem sido mostrado nos arcos do personagem. Cabe acrescentar que as referências brotam na tela de forma perfeita, desde o nome de B. Bendis" na lista de contatos do celular de Morales, até cenas bastante conhecidas e "A Presença". Tudo isso é simplesmente o que fãs desejariam ver no MCU desde o início, mas nunca é tarde para reconhecer.

Uma das coisas mais incríveis de termos Miles como protagonista de Homem-Aranha no Aranhaverso é a compreensão de que o manto de Homem-Aranha precisava de uma renovação, e o reconhecimento do sucesso nos quadrinhos e da demanda do público. Miles representa não apenas a "substituição" de Peter Parker, como muitos fãs antigos podem entender, mas a mudança radical de perspectiva: ele é o herói que rompe radicalmente com a ideia duma forma correta e única de ser super-herói. Não existe mais "um escolhido", pois: 

Aranhaverso bem como Miles Morales, o Homem-Aranha Ultimate, proporcionara uma guinada epistemológica e ética, isto é, no modo de pesquisar e de me posicionar no e sobre o "real". A capacidade imaginativa aliada ao conhecimento médio de física moderna e de literatura possibilitam por em prática as teorias das representações, retórica, a dinâmica da sociedade, além de questionar nossa noção de ciência e "boa história". A perturbação proporcionada pela dinâmica que empurra múltiplos referenciais (e, portanto, temporalidades, estéticas, classes, gêneros e espécies) é o uma experiência única para quem está no processo de desconstrução/descolonização do eu/self e de cada aspecto da própria experiência social. (QUIANGALA, 2016 in Aranhaverso: Marvel Ultimate e outras relatividades)

A própria apropriação da teoria de universos alternativos é significada a partir da coexistência de pessoas-aracnídeos estranhas, inseguras, peculiares, homo sapiens ou não, e que pertencem a uma realidade com ponto de vista, cores e regras específicas. Ainda que esperemos de um filme de pessoa-aranha, perspectivas menos convencionais, o ir e vir do Homem-Aranha provoca nossos sentidos: a cada vez que subverte a noção de espaço, em cima e em baixo, determinadas pela lógica do plano cartesiano, os saltos se transformam em metáfora do que o próprio Aranhaverso significa, como teias de informação (WEB), de tempo não-linear e identidades descentradas.

Não tem como observar a busca de Miles por identidade e não lembrar das letras do Linkin Park, duas vozes lutando. O caminho de Miles é uma forma específica, única de ser Homem-Aranha, e pra compreender isso ele precisa entender que precisa ser "mais como ele mesmo, e menos como Peter Parker"

Pra quem está familiarizada com o Aranhaverso (2016-2018) por meio daqueles quadrinhos confusos sobre diversas versões de pessoas-aranha lutando pra não serem devoradas, relaxa, a história é muito outra e não depende de nenhum conhecimento prévio do Multiverso. Isso, no entanto, não é demérito algum. A animação é duma competência discursiva e estética jamais vista no gênero super-heróico, o que, sem exagero, coloca Homem-Aranha no Aranhaverso no topo dos filmes de super-herói até hoje! 


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HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO ESTREIA HOJE 10/01/2019 





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