Review: FEITICEIRA ESCARLATE (2015)




Confesso que nunca gostei muito da Feiticeira Escarlate, mas ela passou a ser uma personagem que vem me interessando por agora. Recentemente, eu li os encadernados que tratam da Dinastia M, dentre eles o clássico prelúdio Vingadores a queda roteirizada pelo Michael Bendis que mostra a personagem com amplitude encantadora - sim & sim comparando com aquelas aparições sessentistas, quando tudo era mais simples, mas X-Men era enérgico, dinâmico e potente. Aquele arco de Bendis mudou tanto a minha concepção a respeito de Wanda Maximoff (Feiticeira Escarlate) que resolvi adicioná-la à lista de estudos "heroínas Marvel e a loucura" e, assim, me interar mais sobre ela. Com essa curiosidade, li a primeira edição de Feiticeira Escarlate (dez/2015) da Novíssima Marvel, roteirizada pelo James Robinson, ilustrada pela Vanesa Del Rey, Colorida pela Jordie Bellaire e letreirizada por Cory Petit. Temos a intrigante capa de David Aja e as maravilhosas capas variantes de Kevin Wada, Bill Sienkiewicz, Erica Handerson, Tom Raney e Chris Sotomayor.


A Novíssima Marvel

Primeiro nos situemos. A "Indústria dos quadrinhos" dominada pelas editoras Marvel e DC passa por ciclos de altas e baixas vendagens desde o início. Como não se trata apenas duma questão de crise financeira, estratégias para renovação do público são postas em prática, sendo o reboot (ou zeramento) a mais comum... e também a mais gasta. Neste momento, a Marvel, que sempre se lançou no mercado como vanguardista, decidiu relançar seus títulos com o número 1, mostrando-se muito preocupada em arrebanhar um público "totalmente novo, totalmente diferente" com recrutamento de equipes criativas do undergroud, mulheres, negros, asiáticos e a ordem de representar todo mundo que esteve de fora até então. Pra quem nunca soube por onde começar, ta aí uma possibilidade de ingresso: eis a Novíssima Marvel. Os "nerds clássicos" (no burning hell) estão aflitos achando que tudo agora é "representação" e que acabou a era das "grandes sagas" que, sendo vocês leitoras da Alpaca, entendem: por que esses fãs gostaram tanto de Demolidor, odiaram tanto Jessica Jones e - ainda - saíram gritando pela internet que nós não entendemos? [1]


Embora não seja necessário ter ciência de quem é a Feiticeira Escarlate, ter uma noção do universo dela fará com que você reconheça uns pontos-chave como a consequência da relação dela com os Vingadores e com Agatha Harkness influenciando o presente. Se você costuma ler quadrinhos há um tempo, sentirá nos traços de Vanesa Del Rey uma reconfortante sensação de nostalgia: lembra-se daquelas minisséries da Vertigo da década de 90? Os borrões, tons de roxo e vermelho juntos, layout convencional que direciona a atenção para a exasperação da protagonista e para o estrangulamento narrativo mostram a força do modo Marvel [2] de construir narrativas: toda a liberdade à artista e à colorista. Os diálogos são bem construídos, as sequencias também, mas é a arte nos suga pra dentro da história. Lembrei particularmente de Hábitos Perigosos, aquela história em que John Constantine (The Hellblazer) é diagnosticado com câncer no pulmão em fase terminal.

Acompanhamos a narrativa de Feiticeira Escarlate #1 junto com a protagonista, desde os seus pesadelos até a sua relação improvável com o fantasma de sua mentora Agatha. Somos induzidas à sensação de angústia junto à confusão mental de Wanda. Esta é destacada do cenário simples como uma figura grotesca em planos incomuns para uma história do gênero super-herói (embora recorrentes nas histórias de heroínas como Jessica Jones e de suspense/terror da Vertigo '90). Apesar da ênfase visual na figura da protagonista, seu corpo não é inverossímil nem seus trajes hipersexualizados. Outro ponto notável é que, mantendo a personalidade de Wanda, observamos que ela está bem madura, como uma marca proveniente da experiência destruição presente em Vingadores a queda houvesse moldado sua percepção de si e do mundo. É evidente que sua mente continua fragmentada, mas sua visão de mundo não é mais adolescente cuja personalidade é relacional: filha de Magnus/Magneto, irmã de Pietro/Mercúrio ou vingadora. Temos aqui outra história em que a Feiticeira está lutando externamente contra o mal no intuito de expiar sua culpa e vivenciar o conflito interior de "querer fazer o bem" versus "controlar seu poder desmedido", porém, ela é adulta e sabe que essa ambivalência é parte dela e, portanto, vivencia com certo ceticismo.


 
Figura 1 - Feiticeira Escarlate, nº1 (2015) - Detalhe

Se fossemos fazer uma análise da representação, de cara, diríamos que a relação entre Wanda e Agatha que são duas mulheres, que têm nomes, que falam entre si sobre suas próprias questões (famoooso teste Bechdel). Além disso, as pessoas "figurantes" são bem diversas e, portanto, verossímeis.

O que mais me agradou na Feiticeira Escarlate #1 foi a imponência. Ela deixou de ser uma garota com (eternas) afetações adolescentes e descrições como "donzela em perigo" que "precisa salvar-se de si mesma". Nesta primeira edição, apesar do excesso de diálogos que não adensam a história realmente, somos introduzidas às personagens principais, ao ritmo e ao estilo e podemos concluir que essa novíssima Feiticeira está incrível. Pra você ter ideia de como ela está imponente:


Figura 2 - Feiticeira Escarlate #1 (2015) detalhe


Ou seja, apesar dela estar no problemático hall de Loucura feminina, ela parece que seu potencial pra além disso está sendo explorado. Não estou dizendo que em Vingadores a Queda ela não está incrível, estou dizendo que personagens mudam o tempo todo, mas a Barbara Gordon, por exemplo, está solidificada na representação da Piada Mortal e a Feiticeira Escarlate estava até a Dinastia M enclausurada pela superproteção de seu irmão. E, assim, além de representar gente como a gente, superar traumas é um ponto importante de ligação entre o público e suas heroínas. Gostei muito, não apenas dessa edição, mas do que ela está prometendo para as próximas edições! Haters gonna hate, eu só acho.




Notas

[1] Eu também tenho críticas - sobretudo - à negligências da Marvel e ao modo como a DC incorporou a diferença nos Novos 52, porém, a abordagem dos "clássicos" nunca é dialógica, ne. Falei um pouco disso na III Jornada Internacional de Quadrinhos (2015), algo como Gênero E Raça Nos Quadrinhos: O Impacto Da Estrutura Social Na Representação Da Capitã Marvel

[2] O Argumento ou Método Marvel (Marvel Way) é o modo como Stan Lee criava roteiro, nos anos 60, daquela dos vários títulos simultaneamente: entrega um plot para o artista, ele desenvolvia a sequencia de imagens e, posteriormente, Stan inseria os diálogos. Diferente do Roteiro ou Full Script usado pela DC, em que o roteirista destrincha cada elemento como ele deseja ver na página. Quanto a esse review, apesar do roteirista ser homem (e sabemos que é esse o nome da ficha catalográfica), acredito que, sendo uma HQ Marvel a artista tem uma contribuição considerável.


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Figura 3 - (Feiticeira Escarlate) à direita: a atriz Elizabeth Olsen em Os Vingadores 2: Era de Ultron (2015).
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