ESQUADRÃO SUICIDA: o bom, o mau, o bem e o mal

Viola Davis como Amanda Waller

Esquadrão Suicida (ES) foi o filme de heroísmo mais esperado por mim pra 2016, mas, depois da experiência de Batman versus Superman (vulgo Mulher Maravilha: O prólogo), a expectativa em relação à qualidade, sequência lógica e aprofundamento psicológico caiu mais que a metade (o que até possibilitou classificar o Esquadrão como um filme "bom").

Primeiramente falarei sobre os aspectos que me surpreenderam/agradaram e, depois, sobre o real ponto alto pra mim, que foi a relação entre Amanda Waller (Viola Davis: How to get away with murder) e o Pistoleiro (Will Smith: maluco no pedaço, eu robô, MIB...). Se você está em busca de análise sobre a Arlequina, há material crítico incrível sobre a hiper-sexualização da Arlequina disponíveis no Collant sem decote (texto) e no Cuzcuz literário (vídeo). Se você já assistiu/leu (a) tudo isso, vamos com a gente.



Olha quem não gosta de quem

*Alerta de spoiler*

O bom (nem tanto)


Pra mim, rock não tem hora certa, é sempre bom. Daí, me pareceu ótimo ter uma playlist trilha sonora repleta de clássicos do rock como AC/DC, Black Sabbath e até as pedras que rolam - isso faz lembrar da magnitude da DC/Warner, já que é gravadora consagrada e normalmente não pensamos tanto a respeito disso. O problema é que o Black Sabbath tem uma carreira lendária com diversas fases, um cânone vasto de hits e - sério - não precisava medir força usando Iron Man. Mesmo sem a introdução reforçou o ar de criança birrenta que a DC adora desempenhar no cinema. Pareceu recalque indefensável. Mesmo pensando em tudo isso, eu estava batendo o pé contando o tempo e curtindo músicas que adoro (perdendo as descrições todinhas!), Até que...
... Eminem?! Oi?! Ressuscitar um artista alegadamente racista e sexista (um Biel da nossa época) enterrado há muito no Showbiz? Ah Anne, mas vilões são politicamente incorretos. Ah sim, claro que todas as canções de rock encaixam na narrativa do esquadrão *ironia*. Mandou mal, Warner, muito, muito mal. Mas assim, dizer que adorei ouvir rock alto com qualidade é uma coisa, a questão mesmo é que as canções parecem elementos soltos, não funcionam pra instaurar qualquer ambiência e, na real, parece playlist de trabalho.

O filme é um "quase la" em todos os sentidos: a gente quer se conectar as personagens custe o que custar, quer se emocionar, mas não tem nada que leve a isso. Algumas personagens eles esqueceram de introduzir origens (como o Bumerangue e o Crocodilo) e outras marcaram com o clichê DC no hall de "problemas" familiares. Parece que o problema da sociedade são famílias desunidas... Falta alguma coisa? Tem pátria e deus também! Ah, e por falar em moral, também tem o Batman. Gosto do Batman de Ben Affleck.

Mas ok, isso é parte do cinema comercial. Desde a Grécia antiga as pessoas pagam pra assistir a tragédias que tenham uma estrutura, enredo, caráter e montagens reconhecíveis. Aristóteles falou disso na Poética. Os clichês afetivos ajudam a direcionar toda e qualquer pessoa através da narrativa, mas em Esquadrão Suicida isso é a única coisa que nos liga à narrativa. Gente, mas a narrativa é tão confusa que parece ter uma pretensão conceitual. Desculpa, isso é um filme 3D de quadrinho para todo mundo assistir não um álbum do Angra, então é preciso que a obra em si se justifique, pra além dos quadrinhos e das versões caça-níquel estendidas. 

E por falar em conceito, vamos ao Coringa. Na prévia a personagem me pareceu dentro dum conceito original em termos de aparência, figurino e performance. Diferente da Barbara Rodrigues (Cuzcuz Literário), achei que a atuação de Jared Leto botou muita banca que não foi proporcional ao seu desempenho. Gostei muito de deixar Heath Ledger (RIP) e promover algo novo, mas gente... O que é aquela risada sem graça, sem impacto e sem nenhuma ênfase? Pra pra quem entrou na persona através de "atitudes desagradáveis" digamos que a gestualidade, o tom, a presença foi como um pífio teste elenco: básico.





O bem (ou quase)



Na maior parte do filme adorei o Pistoleiro, sobretudo porque vi na atuação de Will Smith um tipo de performance que transforma um texto plano/desfavorável em algo com contorno: esférico, real (humano). Claro que tudo beira o clichê e aquela imagem do vilão pai de família é uma motivação apelativa e desgastada, mas nada mais entusiasmante (nesse contexto DC) do que representar um homem negro afetuoso, agente ("domador de balas" em vez dum cara negro "a prova de balas", D. Marvel). Adorei o fato do Pistoleiro ser um vilão e negro ser uma associação raça/meio que nem a estética naturalista: Negro > pobre > bandido. Ele não está ali como metonímia porque não é aquele homem preto de Bad Boys nem de Dia de Treinamento, o que é quase o mínimo.

Além disso, Pistoleiro é a representação dum cara negro que interage bem com personagens femininas, cuja masculinidade não se avulta ante as demais. Ele é homem, nessa sociedade, então sua conduta de não matar pessoas tidas como indefesas é um código verossímil. Ele tem sendo de justiça e ética maleáveis, mas o valor da amizade mostra muitas vezes como uma personagem empática, mas sem exageros, Pistoleiro é (quase) um "cara legal".

Foi bom ter Viola Davis como Amanda Waller dobrando republicanos sem parecer uma "Negra de exceção". Aquele gif sobre interpretar a si mesma, pra quem conhece Annalise Keating, não apareceu no filme. É inevitável relacionar Amanda ao background de Annalise Keating porque parece uma continuidade da advogada. Apesar disso, Amanda não está tão "durona" como as prévias fizeram parecer. Pode ser que a Warner Bros tenha suavizado devido a obviedade dos estereótipos de "mulher Negra forte" (angry Black woman) ou badass; isso gerou uma impressão de que Amanda é um simulacro ineficaz do cinematográfico Nicky Fury.




O mau, realmente mau



Uma teia de racismo velado envolveu o filme. Sim, sabemos que, em termos de quadrinhos a DC permanece com inciativas tradicionalistas e agendas tidas como neutras, o que dificulta avanços audiovisuais, mas vamos lá, estamos em 2016. Cadê a crítica ao sistema prisional estadunidense? Cadê a amostra de que o governo investe mais em cárcere que estudantes? Mais uma vez, o filme entra no hall do "quase lá". O problema de não mirar esses temas é que torna muito "natural" que, apenas no filme de vilões, tenhamos uma equipe com negros, latinos e pessoas menos privilegiadas. E "olha só, eles têm sentimentos!" *ironia*. O realmente mau é o investimento na conjunção de estruturas racistas e sexistas em detrimento do aprofundamento da narrativa.

  • Amanda Waller: como se relacionar sem tirar proveito?
A DC insiste na ideia de que problemas de família causa danos incomparáveis. desta forma, a falta de família no caso de Waller e sua aparente dificuldade de se relacionar sem "tirar proveito" de ninguém faz a sua motivação parecer fútil necessidade de controle e poder. A velha ideia de "consertar o mundo já que não dá conta da própria vida ". Essa fraqueza de motivação poderia ser simplista até se comparada à do Coringa. A cena de insubordinação sem consequências para o Pistoleiro fez a aura de Waller cair, apesar de que podemos ler a partir da visível preferência um pelo outro, uma leve, aliás levíssima alusão ao #blacklivesmatter (!).

  • Arlequina x Waller: "Você é o demônio?"
Logo no inicio do filme, na primeira cena em que Amanda Waller vai à cela da Arlequina temos a cena absurda em que a palhaça questiona Waller "Você é o demônio?". A sequência, ao mesmo tempo que pode fazer parecer quem sabe talvez um subentendido "porque Amanda é badass", é claramente uma situação de insulto gratuito. Ora, mas Arlequina já sabia que Amanda é "má"? "Mas ela é doida". Gente, o sofrimento mental dela não anula a estrutura social de privilégio. Naquela cena, uma jovem branca, classe média chamar uma mulher negra de meia idade de demônio remonta uma historicidade que pouca gente será capaz de interpretar, mas que me irritou de cara.

  • Pistoleiro x Waller:  "Eu errei o tiro"
Desde a primeira cena em que Pistoleiro se encontra com Waller assistimos a uma cena de empatia válida e ela se estende ao longo do filme. É evidente que existe uma hierarquia em que ele é uma pessoa em conflito com a lei e ela "é a lei", mas ele passa a maior parte do tempo mostrando certa simpatia por ela e ela por ele. É bastante sutil, é como caminhar na rua, cruzar com uma pessoa negra e sorrir pra ela, sem conhecê-la. Essa simpatia é interrompida no momento em que Amanda solicita que Pistoleiro atire em Arlequina. Esta, já protegida da explosão por Coringa, não pensou duas vezes antes de se salvar sozinha, mas foi protegida pelo anti-herói que nunca errou um tiro. Quando ele disse à Waller que errou o tiro isso mostra firmeza do seu código de não assassinar mulheres, mas, novamente voltando à história, vemos um rapaz negro salvando a vida de uma garota branca que não se mostrou tão amigável assim. "Ah, mas ela é doida!", *ahan*, no entanto não hesitou em fugir, não é mesmo?

  • Flag x Pistoleiro: "Estou falando com a sua chefe"
Na cena em que Pistoleiro foi apresentado à Waller, uma tensão se instalou entre o soldado Flag e ele. Flag, um típico estadunidense machão de bigode tentava exercer poder sobre o anti-herói e, muitas vezes, até sobre Waller. Nem Waller, nem Pistoleiro se dobram ante a sensação de superioridade de Flag e a cereja do bolo disso é o soldado sendo salvo pelo anti-herói negro. A tentativa de imposição da masculinidade de Flag atravessa o filme e me pareceu artificial aquela amizadezinha com Pistoleiro, viu. Mas que foi bom vê-lo de donzelo em perigo, foi.
  • Mulher sem homem
As mulheres do filme são Amanda, Arlequina e Magia/June. A primeira não tem familiares e relacionamentos afetivos e, sobretudo, não há homens em sua vida; há uma tênue possibilidade disso ser a explicação para a necessidade de poder. Arlequina afirma que sua vida antes de conhecer o Coringa era tediosa. A vilã Magia com toda a sua magnitude precisou chamar o "irmão" para resgatá-la; Notamos nessa amostragem uma mensagem bastante evidente de que mulheres precisam de homens para se manterem equilibradas/saudáveis/vivas.

O mal: ser humano é ser mau?


A definição de bom/mau e bem/mal é um dos conceitos mais relevantes do filme. Na maioria das vezes, eu tive que investir - e lembrar - que eles são vilões. Ora, todas são pessoas traumatizadas e marcadas, de certa maneira, por deformações físicas e morais moldadas no social. O "correto" e o "bom", neste caso, parecem não caber na vida desses indivíduos, é como uma sina invisível, mas sabemos que é um ciclo discursivo sem início e sem fim (ainda):


Modelo eurocêntrico de opressões: especismo, racismo, sexismo, classismo e habeísmo

Dentro da forma conceitual, confusa e superficial há um investimento em mostrar certa naturalização de raça/gênero como moldes de caráter.

Esse filme é, portanto, político e atual. O problema é o modo como o comentário político se instala e como pode ser lida pela maioria. A relação abusiva entre Coringa/Arlequina bem como a hiper-sexualização dela tem sido debatido e MESMO ASSIM, muita gente se recusa a entender. Imagine se essas pessoas buscarão se identificar com um crocodilo vive no esgoto! Imagine se compreenderão as minúcias da ambiguidade entre o racismo da Arlequina que se afeiçoa ao Pistoleiro? Ambiguidade de Pistoleiro aceitando uma mulher Negra no comando sem sentir castrado e sua insubordinação? As desigualdades funcionam porque cada pessoa faz uso de seus privilégios para se esquivar antes da violência que sua vulnerabilidade pode marcar. Desse modo, a narrativa cinematográfica do universo DC espelha uma realidade antenada com uma agenda que se diz neutra/inexistente para veicular interesses conservadores e "empurram goela abaixo a opressão para oprimidxs. E, assim, nossa fábula decenauta resiste à mudança e à adaptação aos novos temos.


Exatamente.




Obrigada!
Anne Dias
Carolina Afonso
Fernanda Mafê
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