Anissa e a lesbiandade figurativa

Equipe e produção de Black Lightning batem no peito dizendo que trouxeram a primeira super-heroína negra lésbica. O que é verdade, Anissa Pierce é a primeira mulher negra não hetero (lembrando que nem toda mulher não hetero é lésbica) e super-heroína considerando filmes e TV, seja Marvel ou DC.


No Cinema temos tanto no DCU quanto no MCU tivemos zero personagens canonicamente parte da comunidade LGBT, o que é isso, personagem que são oficialmente e explicitamente declarados ou gays ou lésbicas ou bis e/ou trans em cena. A Valkyria de Thor Ragnarok tinha uma cena onde ia explicitar sua bissexualidade por que mostaria uma mulher na cama dela, mas cortaram essa cena por que segundo o diretor do filme iria tirar o foco da narrativa principal.

Uma cena de 10 segundos de uma mulher dormindo nua numa cama de outra mulher iria tirar o foco narrativo da história principal. Pantera Negra tinha um romance entre mulheres no seu roteiro original, quem leu o arco Uma Nação Sob Nossos Pés, até pode imaginar qual era o arco, mas no roteiro final sofreu um heterificação, que é a transformação de uma personagem gay ou lésbica ou bi em personagem estritamente hetero.

Mas Deadpool 2 tem um casal de meninas formados por Negasonic e Yukio, então tinha uma super-heroína não branca e não hetero ali, no caso a Yukio que é asiatica. Verdade, mas o filme Deadpool 2 foi lançado em maio e Anissa foi declarada lésbica em janeiro, antes dela não existia personagens super-heroínas não brancas e não heteros.


Na TV ainda existe uma representação melhor, Sara Lance foi a primeira super-heroína não hetero a aparecer e é uma representação bissexual muito bem feita, é usado com frequência o ter bi tanto por parte dela como de outros personagens se referindo a ela. John Constantine, ou personagem bi, teve o mesmo tratamento em Legends of Tomorrow, Uma versão de uma Terra de universo paralelo onde Captain Cold é gay e vai se casar com o herói The Ray existe. O problema é que todos esses heróis são brancos.

Demolidor não tem personagem LGBT, Jessica Jones tem uma personagem lésbica token moralmente questionável e branca, durante as primeiras temporadas de Luke Cage e Punho de Ferro não foi abordado a possibilidade de nenhum personagem não ser hetero.

Como se pode ver existe um recorrente problema na representação da comunidade LGBT nas produções audiovisuais de Super Heróis. Especialmente quando se trata de pessoas que não são brancas. Como mulher bissexual, quando a Sara Lance surgiu foi muito significante para mim por que eu vi alguém com a minha sexualidade sendo uma pessoa que inspira heroísmo, que lidera que é um exemplo a ser seguido, mas eu tive que fechar os olhos quanto a raça, por que ela é branca e eu sou negro. Eu não quero mais fechar meus olhos quanto a raça, eu quero alguém com quem eu possa me identificar 100% que seja igual a mim em gênero, raça e sexualidade.


Anissa se aproxima muito disso, de verdade. É uma personagem que me é muito queria, que mostrou que uma mulher negra, militante e não hetero pode inspirar heroísmo, ser um exemplo. O problema é que o fato dela ser lésbica inexistiu por boa parte da primeira temporada de Black Lightning.

No segundo episódio da série é mostrado a Anissa com sua namorada, que é negra, na cama pós sexo com muita naturalidade, sem hipersexualizar ninguém. Era só mais um casal fazendo coisas que casais fazem. Elas tiveram um pequeno desentendimento, rolou umas reclamações da namorada falando que Anissa não conhecia a família dela, os amigos dela, mesmo as duas estando juntas há um ano. E eu pensei, nossa eles vão ter bastante conteúdo para explorar dessa relação, talvez Anissa tenha questões de auto aceitação não trabalhadas e é importante mostrar um arco assim.

Não, ledo engano. Anissa é assumida pra família inteira desde a adolescência, todo mundo aceita, ela tá bem com sua sexualidade e no episódio seguinte ela e a namorada terminam e tudo que eu tenho é a mãe de Anissa falando que sempre soube que a filha nunca realmente amou aquela mulher, a relação era comodismo.


Fiquei com raiva de descartarem a namorada negra antes mesmo de eu saber o nome dela, mas pensei que eles fizeram isso por que iam apresentar o envolvimento da Anissa com a Grace Choi, namorada dela nos quadrinhos. A Grace Choi aparece em dois episódios e não houve desenvolvimento romântico nenhum.

“Mas a primeira temporada é curta, tem só 13 episódios, ela descobriu os poderes e foi lutar contra o crime” Nesses curtos 13 episódios o Jeff Pierce reatou o relacionamento com a ex-esposa  num arco que durou a temporada inteira enquanto ele lutava contra o crime.  Jeniffer Pierce, a irmã mais nova, começou um namoro com um cara, ele foi baleado, perdeu a capacidade de andar, isso abalou a relação dos dois, eles terminaram, ela descobriu que tinha poderes, não lidou bem com isso, o ex-namorado voltou não apenas andando como sendo um super vilão, lutou contra a família dela e Jeniffer ainda salvou a vida do pai com seus poderes duas ou três vezes.

Aparentemente se você é hetero, suas relações amorosas são muito mais fáceis de conciliar com o arco narrativo principal. Se você não é hetero fica difícil demais para os roteiristas pensar numa forma de manter suas relações e fazer a construção da série principal.


E aí terminou que o lesbianismo da Anissa foi figurativo. Ela só disse que era lésbica, mas ela nunca se envolve realmente com ninguém, nunca tem uma relação que possa ser equiparada com a dos personagens heteros. Por que no final das contas a série mostrou que ou eu vou ter que escolher minhas militâncias, profissões ou minha vida amorosa, por que a única personagem como eu não pode ter os dois.

Esse tipo de representação onde o personagem não hetero nunca está com ninguém é recorrente, acontecia muito no fim da década de 90/início dos anos 2000. Will and Grace é um excelente exemplo disso e agora em 2018 isso tem mudado, você tem personagens não heteros em relações, mas isso acontece majoritariamente com brancos.

Curtis, o primeiro homem negro gay de uma série de super-herói, teve seu casamento acabado por que ele resolveu se tornar um super-herói em Arrow. Lionel em Dear White People também passou duas temporadas até arrumar uma relação e na segunda temporada ficou a sensação que ele tinha que escolher o relacionamento ou produzir a história que ele investigava.

Eu estou cansada da TV me dizer que se eu sou uma pessoa não branca e não hetero eu não vou ser amada, eu não vou ter relacionamentos. Eu estou cansada da minha sexualidade ser meramente figurativa nas produções de séries e filmes.
Tecnologia do Blogger.