Mulheres e futebol


Hoje, quinta-feira, 14 de junho de 2018, começa a Copa do Mundo FIFA de futebol masculino sediada na Rússia. Já temos um zilhão de “músicas de Copa” lançadas, um monte de propagandas com o Tite, camisa do Neymar como brinde de pó de café, programação especial em todos os canais e pelúcias do “Canarinho Pistola” disponíveis para venda. Tudo aquilo que a gente gosta e não tem mal nenhum (ao contrário do que insiste o povo do “Copa é pão e circo”). O problema é o fato de que, em abril, a Seleção Brasileira Feminina foi campeã da Copa América e ninguém sabe, ninguém viu, e ninguém divulgou. Assim como acontecem com todos os jogos de futebol feminino, com uma louvável exceção às Olimpíadas, mais especificamente falando, aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016.



 por Anna Gabriela Teixeira

O futebol feminino no Brasil foi boicotado desde o berço: em 14 de abril de 1941, Getúlio Vargas sancionou uma lei que proibia mulheres de jogar futebol – seja de forma profissional ou amadora. Para fins de comparação, o marco da profissionalização do futebol no Brasil é a década de 1930. Ou seja, cerca de dez anos depois do futebol se tornar uma modalidade profissional, mulheres foram proibidas de praticá-lo. Essa lei vigorou até 1979, ano em que o Brasil já tinha conquistado três Copas de Mundo. Claro que neste período existiam mulheres jogando futebol, mas de maneira clandestina, sem todos os incentivos disponíveis ao futebol masculino. Tendo isso em mente, não é difícil imaginar porque o futebol feminino é tão menos “desenvolvido” que o masculino.

Mas a lei não se limitava ao futebol. Em sua primeira versão ela dizia: “(às) mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos (CND) baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Em 1965 o CND baixou outra deliberação, onde dizia que "Não é permitida [à mulher] a prática de lutas de qualquer natureza, do futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball”.

Esses anos de proibição, baseados na crença machista de que o corpo da mulher era frágil e não tinha condições de praticar esportes, além de reforçar a prática de restringir o acesso da mulher a lugares públicos e relegá-la aos papéis de filha, mãe e esposa, sempre presa ao lar e sem direito ao próprio corpo, cujas ações eram regulamentadas por homens, prejudicaram absurdamente o esporte feminino no país, com consequências que se estendem até os dias de hoje.

Tendo isso em mente, eu te pergunto: quantos esportes femininos você costuma acompanhar com facilidade na TV aberta? Eu, sinceramente, só me lembro das ligas internacionais de vôlei.

Voltando ao futebol, que é a modalidade que mais conheço e acompanho, a desculpa para a carência de cobertura na imprensa é a falta de interesse da população. Mas como a população pode ter interesse por algo que ela mal sabe que existe? O Brasileirão Feminino não é transmitido – e sequer é noticiado – por nenhum canal de TV brasileiro. A única forma de acompanhar o campeonato é através da internet, por meio das páginas dos próprios clubes e outras que cobrem o futebol feminino. Mesmo campeonatos internacionais para mulheres, como a final da Champions League e a própria Copa América não foram transmitidos aqui. Um contraste gigante com o futebol masculino, que não só é transmitido e noticiado, como tem lugar nos horários nobres da TV, estádios de Copa do Mundo à disposição e patrocínios milionários. Hoje não é difícil encontrar partidas até do campeonato francês sendo transmitidas em canais fechados. Na TV aberta, foi possível acompanhar a Champions League masculina a partir das quartas-de-final.

Para uma jogadora ganhar algum prestígio dentro do Brasil, ela precisa ser a Marta: maior artilheira da Seleção Brasileira (tanto feminina quanto masculina) e vencedora de 5 Bolas de Ouro (premiação que condecora o melhor jogador da temporada), mesmo número que Messi e Cristiano Ronaldo. Ou seja, ela precisa ser melhor que todos os homens em atividade para ter reconhecimento.

E não são só as jogadoras que sofrem com o machismo no futebol: jornalistas lançaram esse ano a campanha “Deixa Ela Trabalhar”, relatando casos de assédio por parte de torcedores, jogadores e outros jornalistas durante suas reportagens. No caso das narradoras, bem, quantas vezes você ouviu uma mulher narrar um gol na Rede Globo? Ou em qualquer outro lugar? Na verdade, quantas vezes você já ouviu uma mulher narrar algum esporte?

No entanto, nem tudo é notícia ruim. Bons exemplos começaram a pipocar por aí.

(Foto: Antonio Lima)   Iranduba FC

O manauara Iranduba é facilmente um dos maiores nomes do futebol feminino no país. Ele consegue desbancar a ideia de que não existe interesse por mulheres jogando bola ou que as pessoas só assistem essas partidas se os ingressos forem gratuitos.

O Iranduba faz seus jogos como mandante na Arena Amazonas, que foi construída para a Copa do Mundo de 2014 e não se tornou um “elefante branco” graças ao time. Com ingressos custando R$ 20, colocaram 25 mil pessoas na Arena ano passado em partida contra o Santos. No jogo anterior, contra o Flamengo, foram 15 mil. Números muito superiores a muitos jogos de times masculinos.

O Amazonas não tem um time masculino na Série A do Brasileirão desde a década de 1980, o que deixou o Estado carente de bons times para acompanhar. O Iranduba, que surgiu em 2011, veio para preencher essa lacuna, ganhando diversos campeonatos e representando muito bem o estado pelo Brasil. Elas também pretendem lançar um programa de sócio-torcedor ainda neste ano, tornando-se o primeiro time feminino a ter esse tipo de ação.

No Rio Grande do Sul, a Rádio Inter transmite as partidas do Internacional Feminino.
A Federação Colombiana também narra os jogos da seleção feminina em suas redes sociais, tanto a profissional quanto as sub-20, sub-17, e até do futsal, além de sempre passar informações sobre as datas e horário dos jogos, colocação e campeonatos em disputa.

Já no âmbito do jornalismo, a Fox Sports contratou três mulheres para narrar a Copa do Mundo masculina. Uma delas é a jovem Isabelly Morais, que com apenas 20 anos foi a primeira mulher a narrar um jogo da Série B, no ano passado, pela Rádio Inconfidência em Minas Gerais. Manuela Avena e Renata Silveira completam o trio.

ESPN e Esporte Interativo também contrataram mulheres como narradadoras nos últimos meses. Com mulheres em três canais, ouvir vozes femininas narrando partidas se tornará cada vez mais comum, ao menos na TV fechada.

O Flamengo (masculino) também contou com uma equipe 100% feminina para narrar e comentar o clássico Flamengo x Vasco em maio deste ano pelo Canal do time na plataforma Youtube. Uma ação muito importante porque não se resumiu a uma campanha do dia da mulher e nem a jogos de menor apelo com o público. Mas, infelizmente, o time feminino ainda recebe muito pouco apoio da diretoria.

No âmbito do esporte recreativo, temos a iniciativa do Think Olga, o Olga Esporte Clube, que consiste na ideia de resgatar o esporte feminino como uma prática que não se resume a tentar atingir padrões de beleza e sim em praticar esportes por diversão, como forma de “socialização, crescimento pessoal, relação harmônica entre nosso corpo e a natureza, transcendência, inteligência emocional, o exercício da coragem”, nas palavras da ONG.

Embora as barreiras que mulheres precisam enfrentar para praticar, transmitir, comentar e narrar esportes ainda sejam muitas, essas e outras iniciativas nos mostram que podemos mudar esse jogo e afirmar nosso lugar de direito no mundo dos esportes, mostrando que lugar de mulher também é dentro do estádio.

Lembrando que 2019 é ano de Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino. Ela vai acontecer na França, com abertura dia 07 de junho, em Paris. As eliminatórias ainda estão rolando e pela internet você consegue acompanhar os jogos e já ir escolhendo as suas seleções favoritas, além da brasileira, é claro.

PARA SABER MAIS

Eu sei que é super difícil acompanhar o futebol feminino e até mesmo encontrar pessoas para conversar sobre o assunto, então segue uma pequena lista de páginas que divulgam os resultados do jogos, gols da rodada, links para acompanhar partidas e notícias sobre esse universo:

Dibradoras - Página com matérias sobre o universo do futebol feminino, desde contratações a reflexões mais profundas sobre o lugar da mulher no esporte.
PFF Oficial - Divulga o resultado dos jogos de todas as ligas possíveis: brasileirão séries A e B, paulistão, Champions, Copa de la Reina, eliminatórias da Copa do Mundo, enfim, está tudo lá.
Olga Esporte Clube – Página do projeto Olga Esporte Clube.
Dona do Campinho - Dona do Campinho, blog da jornalista Cintia Barlem é o espaço do futebol feminino dentro do Globo Esporte.
Ludopédio - Site focado em produção acadêmica sobre futebol, tem muita coisa sobre futebol feminino.
As representações femininas no país do futebol: A proibição das mulheres nos esportes pelo Decreto-Lei De Nº 3.199, de 14 de abril De 1941. – Artigo de Ana Karolina Amorim Fernandes e Débora Miranda de Oliveira, faz um apanhado da história do futebol no Brasil e a posição das mulheres no dito “país do futebol”.
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