Review: ARLEQUINA (NOVOS 52)



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*tem gatilho*
* tem spoiler*


Contexto: Novos 52

A queda nas vendas e a necessidade de renovação, fez com que a DC comics (assim como sua "rival" Marvel) se pusessem no mercado com mudanças drásticas. Historicamente, a DC tem demorado mais para incluir personagens progressistas que a Marvel embora seja considerada mais "adulta" [1]. No geral, quando um individuo socialmente estigmatizado é introduzido no universo DC ele tem esse estigma (em especial, a loucura) intensificado e associado à vilania, como aponta Amaro Braga Jr (2013).

Enquanto a Marvel investiu em equipes criativas compostas por mulheres para linhas com protagonistas femininas, a DC fez o mesmo, mas Batwoman quase não tem mulheres na equipe e Batgirl na primeira fase da Gail Simone parecia uma colagem: todos os estigmatizados a volta de uma Barbara Gordon traumatizada, marcada pelo capacitismo, mas dentro do padrão estético, cis, classe média etc, etc. O modo como a narrativa de Batgil segue, faz parecer mais um show de horrores (reforça o Outro como grotesco) que a elaboração da realidade em que vivemos. Eu me refiro à Batgirl e à Batwoman, porque são personagens do universo de Gotham/Batfamilia [2] que têm revistas próprias desde o lançamento dos 52 títulos conhecidos como Novos 52 e, por acaso (?), ambas são protagonizadas por mulheres, lidam com a questão LGBTQ [3] em primeiro plano e, ambas não foram publicadas no Brasil. Aliás, poucas revistas protagonizadas por mulheres foram lançadas por aqui... por que Arlequina? Por que tantas gurias fazendo esse cosplay?


A Revista

A primeira edição de Arlequina foi lançada nos Estados Unidos em 2013 e, no Brasil, a Panini lançou um volume em formato americano (17x26cm) reunindo as edições 0-8 (total 188 paginas) em abril de 2015. Encontramos nela as seguintes histórias:"Doidinha exigente", "Um dia a casa cai", "Fauna e Folia", "Dores de amores", "Velhos pra chuchu", "Caçada aos octogenários vermelhos", "Deu a louca no zoológico"," Omissão noturna" e "Chuva de canivete".

Embora a edição nº0 seja ilustrada por uma infinidade de artistas renomados (incluindo o criador Bruce Timm e a também roteirista Amanda Conner) as demais edições têm arte de Chad Hardin, além da parceria de Amanda Conner com Jimmy Palmiotti.

O formato da revista deixa a desejar pelo seguinte: as histórias são praticamente independentes, o "fim" fica na parte da lombada e não temos a separação das histórias por edição. Muita gente pode achar que isso confere fluidez à leitura, mas, pra mim, não funcionou desse modo. Apesar disso, há efeitos interessantes na colorização, nas letras e os desenhos de Hardin são muito, muito, muito bons!

A tradução é - pra mim - o ponto alto. Mario Luiz C. Barroso conseguiu adaptar perfeitamente as sequencias introduzindo trechos de músicas populares como "piradinha" para conferir familiaridade ao público brasileiro.




Um pouco sobre Arlequina

A personagem Arlequina (Harley Frances Quinn) foi criada por Bruce Timm e Paul Dini para Batman: A Série Animada Episódio #22 "Joker's Favor" (1992) e se consagrou no quadrinho "Mad Love" (1994). Eu a conheci no seriado da Warner Brids of prey (2002-03), em que a personagem performava Dra Quinzel (Mia Sara), psiquiatra da heroína Helena Kyle (Ashley Scott) filha do Batman e da Mulher Gato, e se mostrava como contraste de uma "mente sã".

A Dra Quinzel trabalhou no asilo Arkhan, teve como paciente o Coringa e apaixonou-se por ele. Ela enlouqueceu e tornou-se a vilã Arlequina após esse contato. Coringa que já tinha um passado marcado pela misógina Piada Mortal (Alan Moore) em que ele abusou física e psicologicamente, atirou na coluna da Barbara Gordon (Batgirl) simplesmente para agredir ao pai dela, o Comissário Gordon. Note a mensagem.

Esse mesmo Coringa resolve se aproximar de Quinzel para obter favores e, assim que adquire a confiança e lealdade total dela, capricha nas múltiplas formas de violência física, psicológica, simbólica. Ela, que é representada como uma garota de beleza padrão é tão sexualizada quanto psicologicamente vulnerável e, assim, torna possível entender o porquê dela ser tão popular na comunidade nerd "clássica". Apesar de ser uma protagonista feminina, ela atende a todos os requisitos de uma matrix sexista: ele maltrata e ela continua disponível, amando incondicionalmente... e sim, ele não esconde o desejo de matá-la. Esse fetiche não é novo e, o que me deixa mais surpresa é a repercussão dessa "menina-mulher" entre as adolescentes em convenções. A personagem é uma romantização d violência, é uma mulher (corpo) com uma inocência pueril que (eles, os abusadores) entendem como o tipo que concordará com o abuso. Não são poucas as cenas em que ela apanha e é ofendida verbalmente pelos reais vilões. ..E, pasme, tem uma galera que acha bem engraçada a revista, ta?



Bissexualidade e Loucura

Recentemente, foi confirmada a relação afetivo-sexual entre Arlequina e Hera Venenosa. No primeiro volume essa relação não se materializa, mas termos vários índices: Arlequina sempre chama Hera para brincar e beijar sua boca. Essa tensão entre Arlequina e Hera Venenosa é outro ponto aclamado pelo público que não percebe que:

1- trata-se da satisfação do fetiche de um olhar masculino heterossexual/ hegemônico

2- Sendo ela "louca" a bissexualidade é representada como um sintoma da anormalidade

3- Todas as vilãs mapeadas por Braga Jr (2013) representadas como loucas são, também, bissexuais; São elas: Alequina, Hera Venenosa e Mulher Gato.

4-Tanto Hera quanto Arlequina passaram por relações heterossexuais abusivas, mas isso não aparece como causa da loucura em si, mas "justifica a bissexualidade" (outro absurdo).

5- Arlequina deixa claro em vários momentos que seu real objeto de desejo é o Coringa, e que ela se "diverte" sexualmente com praticamente qualquer individuo (a) até conquistar seu "pudinzinho".

Muita gente aplaude de pé essa "inclusão", mas não se dá conta do discurso que está sendo difundido sob essa máscara de liberal, bacana. Arlequina é como carnaval, tudo pode, tudo é absurdo desde venerar um psicopata abusador até mesmo se envolver com uma mulher.




Estereótipos

Embora a gente tenha uma gama de representações na história, notaremos a associação entre pobreza relativa, crime, estigma e "tudo pode". Todo o exagero ostentado pela nossa heroína não destoa do seu contexto de submundo: nem seu sonambulismo, nem conversar com animais, nem a violência. Cada edição traz certa continuidade, mas o ponto chave é a desordem, o acaso, a falta de lógica no contexto, o que revela a desordem mental da personagem. Dentro dessas aventuras temos personagens de estaturas, peso, idade, raça e nacionalidade diversificadas. Essa diferença, no entanto, é construída sob alicerces antiquados (o que deveria ser uma piada...) de sotaque, ideologia e interesse. Um idoso judeu é retratado como surtado e obsessivo. No caso de um ex-agente russo, a graça é que ele fala que só quer ter direito a comprar seu papel higiênico dupla face e comer seu queijo. Essa piadinha de mal gosto se soma à competição de role derby em que as gurias se agridem ferozmente e, mais uma vez, temos imagens de mulheres feridas.

O que poderia, talvez, quem saber, ser uma piada é a passagem em que Arlequina e Hera estão na praia e dois rapazes se aproximam delas para chavecarem. Enquanto Hera se livra logo de um deles, o outro (que é um fortão, padrãozão representado como... estereotipo) vai fazendo todas as vontades dela e, no final das contas, acaba tendo mais espaço que os "desviantes".

Tendo em vista a personagem que foi cedida à Amanda Conner, era de se esperar que as histórias fossem assim, tão dentro do mais-do-mesmo. A DC, portanto, continua investindo títulos ruins de roteiristas mulheres (para reafirmar o status quo Eisner = homens) e enchendo as prateleiras de péssimas lições de sexo, gênero e mais outros blocos de normatizações, senso comum e coisas que ninguém precisa.




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Notas

[1]Nesse caso, estou me referindo aos super-heróis do catálogo principal, porque sim, os selos apresentam uma diversidade considerável de temas.

[2]Kate Kane, a Batwoman, se recusa a pertencer à Batfamilia, mas o contexto nos remete à essa condição. Nega-la, mantém o objeto de oposição, presente.

[3] LGBTQ: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer.


Textos consultados

BRAGA JR, Amaro Xavier. Representações da loucura e da vilania em Batman. Disponível em: <www2.eca.usp.br/nonaarte/ojs/index.php/nonaarte/article/view/37/40>. Acesso em 7 fev. 16.

RECALDE, Ana. Já podemos falar sobre a Arlequina? Disponível em: <www.collantsemdecote.com/ja-podemos-falar-sobre-a-arlequina>. Acesso em 7 fev. 16.

Arlequina. <www.guiadosquadrinhos.com/edicao/arlequina-n-1/ar011105/116566>. Acesso em 7 fev. 16.

Bruce Timm. <www.guiadosquadrinhos.com/artista/bruce-timm/1548>. Acesso em 7 fev. 16.
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