Afinal, O que é lugar de fala?

djamila ribeiro



  • O Que é Lugar de Fala?
  • Djamila Ribeiro
  • Editora Letramento (Selo Justificando)
  • 111p. (Livro de bolso)
  • 2017


  • por Anne Caroline Quiangala


    "O que é lugar de fala?" é um livro de bolso de autoria da filósofa paulista Djamila Ribeiro e que faz parte da Coleção Feminismos Plurais organizada por ela, numa parceria entre a editora Letramento e o portal Justificando. Nesta rápida conversa temos a proposição dum diálogo acessível mantendo o rigor e honestidade intelectual característicos de Ribeiro.

    O IMPACTO DA OBRA


    À medida que fui lendo, imaginei o quanto a representatividade da Djamila Ribeiro ("Mulheres Negras devem ter nome e sobrenome") nas redes sociais pode atrair jovens da educação básica para esta leitura e, de forma sutil, demonstrar a forma e a lógica de argumentação acadêmica sem traumas e hierarquias que um primeiro semestre de faculdade tende a promover. Essa franqueza, desde o prefácio, certamente mostrará novas perspectivas às jovens e, possivelmente, romperá com aquelas histórias do feminismo que insistem em dividir em três ondas de protagonismo branco

    Pra mim, o primeiro capítulo Um pouco de história foi assertivo ao oferecer o percurso de luta de intelectuais Negras, desde o século XIX. O marco inicial proposto por Djamila Ribeiro foi o emblemático discurso proferido por Sojourner Truth "E não sou uma mulher" em 1851. A autora analisa o discurso evidenciando o pioneirismo de Truth em questionar a universalização da categoria "mulher" na experiência de branquidade. Antes que a leitora se conforte com a referência estadunidense, Ribeiro já tece um diálogo com a socióloga brasileira Lélia Gonzales (contemporânea de Angela Davis) trazendo ao centro uma questão fundamental ao feminismo acadêmico:

    "A feminista negra reconhecia a importância do feminismo como teoria e prática no combate às desigualdades, no enfrentamento ao capitalismo patriarcal e desenvolvendo buscas de novas formas de ser mulher" (RIBEIRO, 2017, p. 25).

    Ao trazer um panorama histórico, Djamila Ribeiro refuta o conceito dominante de "epistemologia" e de "intelectual" e transcende uma argumentação pura e simples à medida que legitima a produção de mulheres Negras latino-americanas. Sua escolha de citações aproximam as pessoas que não estão familiarizadas e também propõem uma revisita para quem conhece. A filósofa concorda com bell hooks ao afirmar que sofisticação intelectual é completamente aplicável a uma prática política, uma vez que "intelectual é aquela que une pensamento à prática para entender sua realidade concreta" (RIBEIRO, 2017, p.28). Por meio de sua escrita ela ainda denuncia as inversões discursivas e outros estratagemas de manutenção da hegemonia.

    Sua crítica à linguagem excludente também se dá em dois níveis: a teoria e a demonstração que atravessa o livro inteiro. Por "demonstração" entendo que a forma de compartilhar teorias complexas como a do ensaio "Pode o Subalterno Falar?", de Gayatri Spivak, dialogando ainda com o Quem pode falar?  e A Máscarada Grada Kilomba, naturaliza o fato de que qualquer pessoa é capaz de compreender a Teoria, desde que o objetivo de quem escreve seja ser compreendida.




    TEORIA SEM TEMOR


    No segundo capítulo, Mulher Negra: O outro do Outro, Djamila Ribeiro mantém o ritmo e o tom, mas se aprofunda nos conceitos de mulher, alteridade, diferença, masculinidade e branquidade que são os pilares do pensamento que ela vai construindo junto à leitora. Ela explica cada premissa, passando pelos textos clássicos de Hegel e Simone de Beauvoir e avançando por meio de questionamentos relacionados à nossa vivência: de que homens estamos falando? (p. 39) ou quem são os todos e quantos cabem nesse todo? (p.41).

    Ao falar de mulheres Negras como produtoras de conhecimento, Ribeiro faz um raciocínio alternativo se comparado àqueles clássicos; uma rota pautada em Kilomba, que questiona qualquer universalização, seja de homem ou de mulher. Admitir que não há fixidez significa compreender que homens negros e brancos não usufruem do mesmo capital social e político, assim como mulheres negras e brancas possuem status diferentes nas relações de trabalho e mesmo no mapa da violência.

    Djamila Ribeiro nos apresenta pontos cruciais d' O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, desde a construção da "mulher" como Outro do "homem" até a manutenção dessa inferiorização simbólica materializada nas relações. Tal reflexão, Ribeiro reitera, é correta, embora incompleta porque este caminho teórico invisibiliza performances de poder que as categorias "homens negros" e "mulheres brancas" são, contextualmente, investidas. Evidenciado isso, a autora explica o conceito de "forasteira de dentro" (outsider within) da socióloga estadunidense Patricia Hill Collins, contextualizando a relação histórica entre feministas brancas e negras.

    AFINAL, O QUE É LUGAR DE FALA?


    Pegando o gancho de sua ampla experiência nas redes sociais, Djamila Ribeiro descreve o conceito de lugar social e de discurso como edificadores do real, tanto na esfera simbólica, quanto concreta. Sendo assim, ela destrincha as causas e as consequências das posições sociais simbólicas, indo na matriz de opressões, e desvelando questões de transparência (ou não) entre desejo, interesse e poder.

    Sem querelas ("porque quem querela não pensa direito!"), ela desmistifica os discursos que buscam esvaziar o conceito de Lugar de fala, bem como sua importância. No último capítulo, Todo mundo tem lugar de fala, temos uma perfeita explanação de questões complexas como "Pode o subalterno falar?", implicações acadêmicas e práticas, incluindo na micropolítica.

    Se você quer entender esse "negócio" que todo mundo cita, tá hypado e pouca gente compreende - seja você uma iniciada ou não - eu mais do que recomendo esse ótimo ensaio. E mais: não tem como sair dessa leitura sem repensar o hábito naturalizado de hierarquizar opressões. 

    Garanto que depois dessa leitura, seus almoços tretas de domingo não serão mais os mesmos.




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