6 Momentos em que Dirk Gently's tentou ser cool, mas só foi babaca mesmo


Farah Black
Jade Eshete interpreta Farah Black em Dirk Gently's  Holistic Detective Agency

Dirk Gently's Holistic Detective Agency é uma série de humor lançada em 2016 e disponível na Netflix. A série é baseada na obra de Adams e gira em torno de acontecimentos surreais que, apesar de parecerem aleatórios, estão conectados. Assim, o inglês à lá Mr. Bean, Dirk Gently (Samuel Barnett), entra na vida do Frodo estadunidense Todd Brotzman (Elijah Wood) e tentam compreender a ligação entre assassinatos bizarros em meio a puzzles, geringonças, e um ar retrô. Assim como o título, a série, tal como seu título, peca pelo excesso. Há momentos engraçados, sim, mas são muitas informações, narrativas e diálogos sem fim, que parecem uma bagunça até o episódio 4, ou seja, a metade da temporada. Com isso, o objetivo máximo de nos fazer rir é alcançado, mas na maior parte do tempo Dirk Gently tentou ser cool, mas só foi babaca mesmo. Separamos 6 momentos em que a piada não foi nada engraçada, confira:

6) Humilhação nunca foi piada.


Um dos núcleos mais divertidos da série é o de Bart Curlish (Fiona Dourif) e Ken (Mpho Koaho), simplesmente porque ela é uma assassina nonsense que desconhece o básico da vida urbana. Ken é sequestrado por ela, mas logo se afeiçoa e profere palavras positivas, para que Bart vá em frente. Ao longo dos episódios, Bart insulta Ken, mas no quinto nos deparamos com esse diálogo:

Ken (Mpho Koaho)

Bart Curlish (Fiona Dourif)

O que há de inovador numa conversa em que uma personagem branca ofende um negro? O que há de engraçado nisso?


5) Autodefinição não é piada.


A série tenta discutir questões a respeito de sofrimento mental, e isso é muito importante. Apesar da tentativa, ela não avança muito na representação de Wanda Maximoff, a feiticeira escarlate (Marvel). a MESMA ideia do irmão que dá suporte e o MESMO dilema da normalidade. A diferença é que em Dirk Gently's a irmã (Amanda) projeta toda a sua sensação de anormalidade na segurança Farah Black.






Apesar da tentativa de fazer a última frase de Farah "soar como piada", porque a garota tem dificuldade em se expressar, o diálogo só enfatiza a liberdade que a irmã do Frodo Todd sente a ponto de atropelar a perspectiva de Farah sobre ela mesma. 


4) Não adianta repetir o que não é engraçado. 


Mesmo na ausência de Farah, numa conversa com o irmão Frodo, Amanda (Hannah Marks) continua:






Não só é difícil pra ela analisar a si mesma, como ela não compreende que definir Farah como "superestranha" faz do Todd um interesse amoroso. Será um traço de branquitude?

3) OMIXPLICAÇÃO não é piada nem quando tem resposta.


Uma das palavras da moda ano passado foi "mansplaning", que foi traduzido na Casa da Mãe Joana como Omixplicação. É quando um homem (há também o whitexplaning!)  tenta explicar uma coisa óbvia. Dirk tenta explicar o que a Farah é e o que ela faz, e, mesmo que ela negue ele a atropela e reafirma sua opinião. Então vem o "gasligting" ou a "omimanipulação". O gaslighting é uma violência emocional (manipulação) que tem como objetivo fazer com que a vítima duvide de si e da realidade.












Dizer que a vítima não tem opção além da companhia do abusador é gaslighting típico. Mesmo que Farah responda, o sentido gerado com o "Sem querer ofender..." lembra demais os supostos elogios que racistas proferem.


2) Mais GASLIGHTING...














1) ...Mais GASLIGHTING e ZERO piada.








Como assim, "quem diria?". Essa frase de Dirk evidencia o quanto a série investiu na estratégia de tornar violência emocional em humor. O fato de haver uma representatividade incomum nas séries (uma mulher negra relevante e um homem negro, ambos pigmentados) pode motivar muita gente a acompanhar Dirk Gently's, mas a nossa lista mostra que a representação não é positiva. A quantidade de vezes em que o detetive tenta manipular e desacreditar Farah simplesmente faz a série não valer a pena. A manipulação somada ao racismo não é um tópico de discussão, porque há cenas em que Amanda elogia a beleza e o visual cool de Farah. Além disso, o fato da segurança ser interesse amoroso do Frodo Todd tenta construir uma ideia de que os personagens brancos não são racistas, não acreditam nos estereótipos... apesar de esquecerem que amar/desejar pessoas negras não faz de ninguém menos racista. 

Em suma: o clichê não é piada.


Apesar do ponto positivo de mesclar ficção-científica e romance policial e ser até divertida, a coprodução da Netflix com a BBC America mostrou ao longo da sua primeira temporada, que desejava seguir a tendência estética cool, seja nas cores e efeitos visuais que remetem à década de 1980 e mesmo na presença de vários personagens não-brancos. Essa presença, necessariamente gera discussões sobre raça/racialismo/racismo já que a sociedade capitalista é estruturada por esse marcador. Notando isso, os produtores estão investindo cada vez mais em piadas que tomem o racismo como tema (vide Orange is the new black), mas repetem estereótipos, reduzem tempo em tela e, pior: fazem personagens não-brancos sofrerem exagerada e repetidamente, tal como apresentamos nos 6 momentos em que a série Dirk Gently foi babaca.


farrah black


Além desses 6 momentos, há um fato: clichê não é piada, nem quando tenta ser cool.

Na série Gilmore Girls, a privilegiada Emily Gilmore profere em certo episódio que o clichê nada mais é que uma verdade que todos ignoram. Segundo a lógica dela, a correspondência entre Farah Black e a agente 355 (Y: O último homem), mulheres negras, fortes, cujo trabalho é cuidar da segurança pessoa de pessoas brancas corresponderia a uma verdade. 

Podemos até acrescentar Michonne (The Walking dead) e Montoya (Gotham) para evidenciar o quanto essa construção de "negra protetora de brancos" repete a interpretação duma perspectiva branca igual a de Gently, Bart e Amanda. Em Dirk Gently's não há contraponto ao clichê encarnado por Farah e sua inabilidade social fica perdida em meio às agressões infligidas por pessoas brancas. Seu pai foi segurança duma família branca e rica, ela seguiu os passos dele e "tudo bem", porque a narrativa enfatiza o afeto da garota "quase da família". "Tudo bem" coisa nenhuma. Esse plot existe há 300 anos. Assim como esse clichê não é engraçado, reconstruir a realidade diária de violência sem questionamento, também não é nada cool, é só babaca mesmo.




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