Moon Girl, Representatividade e a Quebra de Uma História Única.

Por Camila Cerdeira


Crescer uma criança negra e nerd é algo um pouco complicado. Meus pais são nerds de carteirinha, de ficar em fila pra ver a trilogia clássica de Star Wars e ter gibis em casa. Então ser nerd pra mim foi algo tão natural quanto andar e aprender a falar.

Meus pais me ensinaram o caminho da força. Também desde cedo me ensinarem a consciência negra e como eu devo ter orgulho da minha raça e etnia. Cresci unindo esses dois lados e fazer isso durante os anos 80 e 90 foi algo complicado. Minha mãe me contava as historias da Tempestade, como ela era uma líder dos X-Men, considerada uma deusa em sua tribo na África. Ela era forte, poderosa, destemida e eu era uma criança nerd, desajustada, que gostava de ciência e sofria bullying na escola.

Eu não era a Tempestade, minha mãe era. Ela era a minha Tempestade, quem eu queria crescer e me tornar, mas aos 10 anos eu não poderia estar mais longe disso. Eu só queria ser normal. Acontece que no universo nerd não existia uma eu.


Então finalmente em 2015 a Marvel anunciou o lançamento de Moon Girl and Devil Dinosaur. Algo mágico aconteceu, todos os meus amigos me marcaram nas publicações sobre o lançamento dessa revista e sempre com a mesma frase "Nossa, é você". E não tem como negar, sou eu mesmo. Lunella Lafayette sou eu quando tinha a idade dela. O cabelo preso num rabo de cavalo alto, os óculos, as meias altas na canela, sem se ajustar na escola e ainda assim amar ciência.

Como eu gostaria de ter lido essa revistinha quando tinha a idade dela. Talvez eu me sentisse menos sozinha, menos desajustada. É muito poderoso descobrir que existem outras pessoas como você, sentindo o que você sente e vê-las superando aquilo que você não sabe se pode. Esse é o poder da representatividade.

O problema é que algumas pessoas ainda não compreenderam a real dimensão do que é representatividade. Não adianta nada termos mil personagens negros na ficção se suas personalidades e historias são todas iguais. A Tempestade é incrível e maravilhosa, tudo que eu gostaria de ser, mas foi a Moon Girl contando as minhas inseguranças e medos que fez eu me sentir representada de verdade.


A autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em um de seus mais famosos discursos já aponta os perigos de uma história única. Uma história única sobre negros não é apenas perigoso para não-negros que vão nos resumir a essa definição restrita, mas a nós negros que passam acreditar que precisam atingir esses patamares ou não seremos válidos, não seremos negros de verdade.

O Pantera Negra é incrível, um rei de uma tribo futurista e extremamente desenvolvida no interior da África. Um personagem extremamente empoderador dentro de sua negritude, mas eu não cresci em uma tribo africana, nunca nem fui num país da África. Não sou necessariamente uma líder destemida rainha de sei lá o que. A maioria dos negros que leem quadrinhos são garotos e garotas que cresceram em bairros quaisquer usando jeans e indo a escolas tentando se encaixar.

Precisamos de T'challas e Ororos? Com toda certeza, eles são um vislumbre do que queremos ser um dia, no entanto também precisamos Miles Morales e Lunella Lafayette que nos mostrem que está tudo bem em sermos um pouco desajustados, inseguros e não ter certeza do que estamos fazendo.
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